G1 Mundo

Como a pandemia mudou a cara de Dongguan, reduto brasileiro na China

today12 de abril de 2023 20

Fundo
share close

Quem entra na escola Wisdom, localizada em uma rua arborizada de Dongguan, não sabe se está na China ou no Brasil. Nas salas de aula, que acolhem crianças e adolescentes de todas as idades, os idiomas se misturam, entre chinês e português, com algumas pitadas de inglês, e principalmente com professoras que preservam as tradições das escolas do Brasil, celebrando festa junina e até o Dia do Gaúcho.  

A escola Wisdom é apenas um exemplo da presença brasileira nesta cidade da província chinesa de Guangdong (Cantão). Dongguan começou a atrair imigrantes do Brasil na década de 1990, quando muitas fábricas de calçados se instalaram nessa dinâmica zona industrial.

As empresas, que produziam sapatos na região gaúcha do Vale dos Sinos, escolheram a Ásia em busca de mão de obra mais barata. Mas logo se deram conta que a experiência dos técnicos brasileiros faria a diferença, e muitos dos empregados das fábricas do sul do Brasil foram contratados para ensinar aos chineses como fazer sapatos de qualidade.



Até hoje, “a maioria trabalha na área de calçados”, explica Jocenara dos Santos, que mora na China há 14 anos e é professora na escola brasileira.

Ela lembra que várias dessas famílias estão instaladas em Dongguan há mais de uma década. Muitos já tiveram filhos no território chinês. Mesmo assim, preferem manter o elo cultural com o Brasil. “Os pais escolhem matricular as crianças aqui porque a gente foca bastante no português”, diz a professora.

Os diplomas da escola são reconhecidos no Brasil, e os alunos seguem o currículo brasileiro. A única diferença é que as aulas são em português, mas também em chinês e inglês. Uma diversidade linguística que atrai até alunos 100% chineses.

“Eles vêm pela curiosidade, por ter amigos ou colegas de trabalho brasileiros. Querem saber não só a língua, mas também os costumes, pois nós somos diferentes”, conta Jocenara, que se orgulha de servir arroz e feijão diariamente no almoço que é ofertado na escola.

Escola brasileira em Dongguan recebe filhos dos expatriados, mas também chineses interessados pela cultura do Brasil. — Foto: Silvano Mendes / RFI

No entanto, se o estabelecimento já chegou a ter mais de 100 alunos, agora apenas 27 crianças e adolescentes estão matriculados. Pois como no resto da cidade, a escola vem assistindo nos últimos anos a uma diminuição considerável da comunidade brasileira.

Muitos desses expatriados perderam seus empregos e deixaram a China. Seja por causa do fechamento das fábricas, que se mudaram para outros países asiáticos ou até africanos, em busca de mão de obra ainda mais barata, ou pelo simples fato que os chineses aprenderam a expertise brasileira no setor calçadista e aos poucos foram substituindo esses imigrantes.

Esta situação piorou durante a pandemia de Covid-19. Além do fechamento das fábricas, quando o surto teve início no começo de 2020, muitos brasileiros de Dongguan estavam em férias no Brasil com suas famílias e, diante das restrições do governo chinês para entrada no território, apenas alguns trabalhadores conseguiram voltar.

Durante meses, várias famílias permaneceram separadas por causa do coronavírus. Os homens continuaram a trabalhar na China, enquanto as mulheres e crianças ficaram bloqueadas no Brasil. Essa distância fez muita gente desistir do “sonho chinês” e voltar de vez para casa. 

“O país não tinha inflação”

Fernando Andrade viu de perto esse movimento. O carioca mora na região há 17 anos, onde chegou como músico e hoje presta assessoria em importação e exportação. Ele perdeu as contas do número de contêineres com mudanças que ajudou a despachar de volta para o Brasil.

“Hoje, em Dongguan, eu acredito que [a população brasileira] esteja abaixo de 200 [pessoas]. Já foram milhares. E isso foi consequência dos três anos de pandemia, que afetaram muito o setor calçadista, principal atividade dos brasileiros por aqui”, afirma.

“Dongguan já foi a cidade com o maior número de brasileiros na China”, frisa o carioca.

“Quando eu cheguei aqui, o país não tinha inflação”, comenta Elcio Diamantino, que chama a atenção para uma mudança de paradigma econômico que contribuiu para o êxodo dos brasileiros.

O carioca, que vive há 20 anos no território chinês, também é músico e lembra com saudosismo os tempos em que os preços não aumentavam e o salário oferecido aos imigrantes qualificados era suficiente para uma vida confortável. “Não é dizer que a China está ruim. Porém, o custo de vida mudou”, aponta.

Picanha suculenta assustava chineses

Mesmo assim, as atividades ligadas ao Brasil continuam na cidade. Basta visitar a churrascaria Latin, restaurante que mata a vontade dos brasileiros saudosos e encanta os chineses com o sistema de rodízio à brasileira.

Fernando Andrade é um dos sócios, junto com o gaúcho Valdecir Schneider. Eles atendem mensalmente cerca de 12 mil clientes. Esse número pode parecer uma gota d’água em um país do tamanho da China, mas é uma proeza para um pedacinho do Brasil tão distante dos Pampas. 

Schneider, que dirige o restaurante com sua mulher, a chinesa Jenny Lee, conta que demorou para convencer a clientela local sobre os hábitos carnívoros vindos do sul do Brasil. Ele se lembra com humor do fascínio e de uma certa apreensão dos asiáticos diante do rodízio de espetos – servidos inicialmente por garçons brasileiros, agora substituídos por chineses.

“Há 20 anos, quando eu chegava com aquela picanha suculenta e metia a faca, o cliente praticamente me empurrava [temendo o sangue que pingava no prato]”, recorda.

Hoje, a história mudou. Os clientes não apenas perderam o medo da carne malpassada e dos espetos do churrasco brasileiro, como 90% dos que comem no restaurante de Schneider e Andrade são chineses.




Todos os créditos desta notícia pertecem a G1 Mundo.

Por: G1

Esta notícia é de propriedade do autor (citado na fonte), publicada em caráter informativo. O artigo 46, inciso I, visando a propagação da informação, faculta a reprodução na imprensa diária ou periódica, de notícia ou de artigo informativo, publicado em diários ou periódicos, com a menção do nome do autor, se assinados, e da publicação de onde foram transcritos.

Avalie

Post anterior

lula-na-china:-entenda-o-estado-atual-da-relacao-entre-a-potencia-asiatica-e-o-brasil-e-o-que-pode-mudar-com-visita

G1 Mundo

Lula na China: entenda o estado atual da relação entre a potência asiática e o Brasil e o que pode mudar com visita

O líder brasileiro e sua comitiva estarão na China a partir de quarta-feira (12). Essa é a segunda data da viagem: Lula iria no fim de março, mas teve que mudar por causa de uma pneumonia. Originalmente, ele iria participar da posse de Dilma Rousseff como presidente do Banco dos Brics, mas a viagem tem como principal meta uma tentativa de restaurar uma boa relação do Brasil com a China […]

today12 de abril de 2023 11

Publicar comentários (0)

Deixe uma resposta

Seu endereço de email não será publicado. Os campos obrigatórios estão marcados com *

Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.


0%