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FBI acusa espião russo que fingiu ser brasileiro por mais de 10 anos e revela como era a vida dele no Brasil

today30 de março de 2023 15

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Agora, esse espião também enfrenta processos nos Estados Unidos —na semana passada, o FBI, o órgão de inteligência dos EUA, publicou um relatório em que indicia Cherkasov por crimes. O texto também descreve como o espião atuava no Brasil e como era a sua vida aqui.

Apesar das acusações nos EUA, os americanos não decidiram ainda se vão pedir ao Brasil para extraditá-lo.

A própria Rússia tem um pedido de extradição em andamento na Justiça brasileira. Os russos afirmam que Cherkasov é um traficante de drogas, e ele mesmo afirmou que quer ser extraditado para a Rússia para responder esse suposto crime lá (leia mais abaixo).



O jornal “Washington Post” ouviu autoridades americanas que o indiciamento na Justiça dos EUA pode dificultar uma eventual extradição de Cherkasov para a Rússia.

De qualquer maneira, no último dia 18 de março, o ministro Edson Fachin, do Supremo Tribunal Federal, determinou que o pedido de extradição só será avaliado após o fim das apurações sobre os supostos crimes cometidos no Brasil.

A identidade real de Sergey Cherkasov foi revelada em 1º de abril de 2022. Ele havia viajado do Brasil para a Holanda para começar a trabalhar como estagiário no Tribunal Penal Internacional, em Haia, como se fosse brasileiro.

A Rússia não faz parte do Tribunal Penal Internacional, e, com a guerra na Ucrânia, a Corte de Haia recebeu diversos pedidos de processo contra o governo russo —recentemente, até mesmo emitiu um mandado de prisão contra o presidente Vladimir Putin.

Enviado de volta ao Brasil, Cherkasov foi preso na carceragem da Polícia Federal em São Paulo em abril de 2022.

Aulas de forró e passaporte falso: quem é Sergey Cherkasov, acusado de ser espião russo que viveu como brasileiro

Os serviços de espionagem da Rússia mandam agentes para outros países para coletar informações. Para que o trabalho deles não seja descoberto pelos governos dos países espionados, frequentemente esses espiões recebem missões para se infiltrar com identidades falsas.

Esses agentes são chamados de ilegais. Cherkasov era um deles.

Os ilegais recebem muito treinamento antes de serem enviados às missões. Eles aprendem línguas estrangeiras, dominam o uso de comunicação em códigos e cifras, sabem usar medidas de contraespionagem e outras formas de ludibriar os controles de outros países.

Quando os ilegais assumem uma nova identidade, eles recebem também uma “lenda”: a história falsa por trás dessa identidade inventada que assumem.

A biografia falsa de Viktor Muller Ferreira dizia que era filho de um português com uma brasileira e que havia vivido na Argentina.

Como se descobriu a história

Os espiões usam uma forma para se comunicar com seus superiores chamada de “dead drop” (em tradução livre, entrega “morta”). Eles vão fisicamente até um lugar de pouco movimento e deixam um pacote que tem um pen drive ou algum outro dispositivo que possui informações.

Entenda método usado por homem acusado de ser espião russo que viveu como brasileiro

Entenda método usado por homem acusado de ser espião russo que viveu como brasileiro

Segundo o documento do FBI, quando Cherkasov foi preso, o celular foi apreendido. Pelo aparelho, os investigadores conseguiram descobrir o ponto de “dead drop” do espião: uma região em Cotia, na Grande São Paulo.

Imagem do local onde o espião russo deixava material para seus superiores em Cotia, na Grande São Paulo — Foto: Reprodução/FBI

Chegando ao lugar, havia material que revela a vida e o trabalho do espião. Esse material foi compartilhado pelas autoridades brasileiras com o FBI.

Ponto onde o material do espião russo foi encontrado em Cotia, na Grande São Paulo — Foto: Reprodução/FBI

Os agentes do FBI também vieram a São Paulo, conversaram com Cherkasov, analisaram as contas de e-mail e pesquisaram as andanças dele pelos EUA, Rússia, e no Brasil.

A verdadeira história do espião

De acordo com o FBI, Cherkasov é de Kaliningrado, um território da Rússia que fica separado do resto do país, entre a Polônia e a Lituânia. A mãe, Galina, ainda mora lá.

O FBI revela que encontrou um vídeo de 2017 no qual Cherkasov e a mãe (que ainda vive em Kaliningrado) conversam em um restaurante no aeroporto de Moscou. As imagens no começo desta reportagem são desse vídeo.

O FBI também encontrou um perfil em uma rede social russa, a VKontakte, que publicou antigas fotos de Chersakov. A mais antiga é de 2008. Nessas fotos, Cherkasov aparece com farda militar. Ou seja, em algum momento ele foi das forças armadas russas.

Sergey Cherkasov foi preso pela Polícia Federal em 2022

Os russos, indiretamente, admitem a história

No começo de abril de 2022, o espião foi deportado da Holanda e voltou ao Brasil. Após a prisão, o governo do Brasil entrou em contato com o consulado russo em São Paulo.

O consulado da Rússia mandou uma carta para as autoridades brasileiras. Nesse documento, os russos reconhecem que a pessoa presa com o passaporte de Victor Ferreira é, na verdade, o russo Sergey Vladimirovich Cherkasov.

Desde a prisão, representantes do governo russo se encontram com Cherkasov com regularidade na carceragem.

O governo russo também protocolou um pedido no STF para que ele seja extraditado —alega-se que Cherkasov é procurado por tráfico na Rússia, ainda que não haja nenhuma evidência até agora de que ele tenha traficado drogas.

O ministro Edson Fachin determinou que uma eventual extradição pra o país de origem só aconteceria após o fim das apurações sobre os supostos crimes cometidos no Brasil.

Como Cherkasov conseguiu os documentos brasileiros

O FBI diz que o espião entrou no Brasil pela primeira vez em 13 de junho de 2010 com um passaporte russo.

Imagem do passaporte russo de Sergey Cherkasov — Foto: Reprodução/FBI

Depois, em 16 de abril, ele usou o passaporte russo para entrar no Brasil novamente. Depois dessa entrada, não há nenhum registro de uma saída de Cherkasov ter saído do país.

De acordo com o passaporte russo, Cherkasov nasceu em 1985.

E o documento brasileiro?

Em 2009 (portanto, antes mesmo da entrada oficial de Cherkasov no Brasil pela primeira vez), uma certidão de nascimento para Victor Muller Ferreira foi emitida no Brasil. Segundo esse documento, ele teria nascido em 1989, filho de uma mulher que não é nomeada pelo FBI.

O jornal “Washington Post” publicou uma reportagem sobre o caso e, de acordo com o texto, o nome dela era Juraci Eliza Ferreira, que teria morrido em 1993. A irmã de Juraci afirma que nunca viu ou conheceu Cherkasov.

De acordo com a lenda, a história falsa que os russos criaram, a mãe morreu em 2010. Há também o nome de um pai na certidão. O hospital onde Ferreira teria nascido não existe mais, diz o FBI.

Com essa certidão de nascimento em mãos, ele conseguiu um passaporte brasileiro que foi emitido em setembro de 2010.

O passaporte brasileiro abriu portas: Cherkasov conseguiu se matricular e estudar em cursos de faculdades americanas (veja mais abaixo).

A acusação do FBI descreve uma relação amorosa de Cherkasov com uma brasileira que começou em 2014. brasileira. O nome dela não foi divulgado. Pelas trocas de mensagens entre o espião e a namorada, a brasileira sabia da identidade verdadeira do russo.

Cerca de cinco meses antes de ser preso, a namorada perguntou da onde vinha o dinheiro e se vinha “de amigos”.

O agente do FBI que redigiu o texto diz que esse “de amigos” é uma referência aos serviços de inteligência da Rússia.

A namorada também fez referências a uma pessoa conhecida como “o mergulhador”, que seria o superior de Cherkasov no Brasil.

No dia em que foi preso, ao ver que estava enfrentando problemas, Cherkasov mandou uma mensagem de áudio para a namorada brasileira para pedir que ela entrasse em contato com esse superior.

Segundo o agente do FBI, era o superior que passava tarefas e pagava as despesas.

Antes de ser preso, o Cherkasov chegou a pedir autorização para se casar, mesmo sabendo do risco que casar com uma mulher não treinada representava para um espião.

Em mensagens enviadas para a namorada depois de sua prisão, o espião russo afirma que o governo russo vai pedir a extradição.

Pelo texto, é possível inferir que a namorada foi procurada por jornalistas. Ele recomenda que ela não converse com jornalistas.

No dia 7 de junho, o espião escreveu novamente para a namorada, afirmando que não vai cumprir toda a pena que recebeu no Brasil (15 anos), e faz planos para comer em restaurantes na Rússia e passar o ano novo em São Petesburgo com a brasileira.

Quando foi preso, o russo estava tentando obter cidadania portuguesa porque acreditava que isso facilitaria conseguir um emprego no Tribunal Penal Internacional, em Haia.

Em março, escreveu aos superiores para dizer que 80% dos documentos da cidadania estavam prontos, faltava apenas a prova de residência. “Consegui encontrar um vendedor que vai aceitar dólares em espécie. Lembrem-se que aqui na América do Sul lavagem de dinheiro e fraude são muito comuns, então ter encontrado uma pessoa que aceita essa quantidade de dinheiro (R$ 190 mil) não é fácil”, afirmou, segundo uma transcrição feita pelo FBI.

O problema é que, depois de ter feito essa compra, ficou sem dinheiro, e pediu para encontrar com um “entregador” antes de viajar para a Holanda.

O espião escreveu por e-mail que já estava pronto para se mudar para Haia —já tinha até mesmo um endereço na Holanda, e apresentava opções de local para se encontrar com um representante dos serviços de inteligência russos (a principal sugestão era o Brasil, pois ele já tinha um histórico falso aqui, então fabricar uma história para seus chefes do Tribunal Penal Internacional seria mais fácil).

Em novembro de 2021, o espião russo fez uma amizade com uma mulher que descreve como confiável e útil. Ele afirmou aos superiores ter a encontrado mais de 30 vezes —ele conseguiu criar laços de amizade com a mulher falando sobre astrologia, cinema e comédia de stand-up.

“Ela é muito religiosa e acredita que ajudar as pessoas é uma forma de entrar no Paraíso após a morte. Ela se sente feliz ao ajudar, e pedir ajuda a ela é muito fácil. Eu acredito que ela pode ser usada para nossos propósitos de documentação”, afirmou.

O texto do FBI não revela o nome dela e nem onde ela trabalha, mas, aparentemente, é em um cartório. “As tarefas dela incluem o reconhecimento de assinaturas e de autorizações, cópias de documentos etc.”, afirmou o russo, segundo a transcrição.

Como uma das metas era obter a cidadania portuguesa, ele precisava de documentos. A amiga brasileira foi útil para isso.

“Quando eu estava sem meu RG, ela conseguiu uma autorização especial só com a foto que estava no meu celular, e com essa autorização eu consegui começar o processo de cidadania, consegui uma nova carteira de motorista, consegui uma nova certidão de nascimento. Ela autenticou todos os documentos dos ‘pais’, o que me fez ganhar tempo e evitar uma atenção desnecessária de advogados. Ela limpou meu CPF, e está pronta para autorizar a compra do meu apartamento com ‘ativos financeiros obtidos legitimamente’ no registro civil, então eu não vou precisar demonstrar a origem do dinheiro. Pela ajuda, eu dei a ela um colar da Swarovsky de US$ 400.”

Fingindo ser brasileiro na Irlanda, nos EUA e em Israel

Com sua identidade brasileira, o espião russo fez uma graduação no Trinity College, na cidade de Dublin na Irlanda.

Depois disso, ele conseguiu entrar em um mestrado em uma universidade de prestígio nos EUA, a Johns Hopkins.

As trocas de mensagens obtidas depois da prisão dele no Brasil mostram que ele comemorou muito a entrada na Johns Hopkins.

No último ano de mestrado, ele fez uma viagem para Israel. Nessa viagem, ele levantou informações sobre pessoas do governo israelense (por exemplo, um especialista em segurança da embaixada dos EUA em Jerusalém).

Em janeiro de 2020, viajou para as Filipinas, encontrou-se com um russo dos serviços de inteligência e passou os dados obtidos em Israel.

Por ter usado uma identidade falsa nos EUA, onde ele viveu entre outubro de 2017 e novembro de 2021, ele foi acusado de diversos crimes no país, entre eles:

  • Agiu nos EUA sob direção de outro país sem avisar os EUA;
  • Usou documentos falsos para obter um visto;
  • Usou o sistema financeiro dos EUA com nome de uma pessoa falsa;
  • Entrou em uma universidade com documentos falsos.

No documento do FBI, no entanto, não há nenhuma menção a uma extradição para lá.




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Por: G1

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