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“As tentativas de mediação provavelmente favorecerão a Rússia. A Ucrânia precisa lutar para libertar seus cidadãos que vivem sob a bárbara ocupação militar russa. Moscou pode aceitar um cessar-fogo, a fim de ‘congelar’ a linha de frente e manter o controle dos territórios ocupados, enquanto espera para ganhar força e confiança suficientes e avançar novamente“, diz Keir Giles, consultor sênior do Programa Rússia e Eurásia da Chatam House, o mais importante instituto de relações internacionais do Reino Unido.
“Portanto, faz sentido o alvoroço da Rússia com qualquer ‘plano de paz’ que surja, se puder tirar proveito dele no futuro“, acrescenta o especialista, que viveu na Rússia no início da década de 90 e também é diretor de pesquisa do Conflict Studies Research Center (CSRC), um centro de estudos anteriormente ligado ao Ministério de Defesa britânico.
Giles se refere aos comentários do vice-ministro das Relações Exteriores da Rússia, Mikhail Galuzin, em entrevista à agência de notícias estatal russa Tass na quinta-feira (23/2). Segundo ele, Moscou está estudando a proposta de Lula para encerrar o conflito enquanto continua avaliando a situação na Ucrânia.
Por enquanto, nenhuma proposta formal foi enviada pelo governo brasileiro à Rússia.
Foram 141 votos a favor, 7 contra e 33 abstenções.
O texto traz recomendação dos brasileiros pelo “fim das hostilidades” entre Rússia e Ucrânia.
O Brasil, que em outras votações sobre o conflito chegou a se abster, votou a favor da resolução, o único do grupo dos BRICS — China, Índia e África do Sul se abstiveram.
A resolução não é vinculativa, mas, apesar de o valor meramente simbólico, tem peso político.
Lula vem tentando promover o Brasil como um potencial mediador para o fim da guerra, numa tentativa de reinserir o país no cenário político mundial após o isolamento amargado durante o governo de seu antecessor, Jair Bolsonaro (PL).
A ideia do presidente brasileiro é criar um grupo de países, possivelmente incluindo Índia, China e Indonésia, para mediar as negociações, uma espécie de “clube da paz”.
Giles ressalva, contudo, que “se um grupo de mediadores de paz para a Ucrânia inclui Índia e China, eles também se abstiveram de condenar a guerra da Rússia contra a Ucrânia”, em alusão à resolução recentemente aprovada pela ONU.
O Brasil não é o único país a propor soluções para o conflito; China, Turquia e muitos outros também se voluntariaram a mediar as negociações.
“Esse cara (Zelensky) é tão responsável quanto o Putin. Porque numa guerra não tem apenas um culpado”, disse Lula. “(…) O comportamento dele é um comportamento um pouco esquisito, porque parece que ele faz parte de um espetáculo”, acrescentou na ocasião.
Lula dá declaração polêmica sobre a guerra da Ucrânia em entrevista à revista Time
Para Giles, “Lula não é o único a sugerir que a Rússia não tem culpa de ter iniciado a invasão da Ucrânia há um ano”.
“Por mais bizarro que possa parecer para qualquer um que tenha ouvido o presidente Putin expondo sua ambição de restaurar o Império Russo, é uma visão que influenciou vários países fora da área euro-atlântica”.
“Isso inclui os estados da África que se abstiveram na votação da Assembleia Geral da ONU sobre uma resolução para condenar o ataque da Rússia e, assim, deram aprovação tácita a uma guerra de reconquista colonial.”
“A Rússia naturalmente vê o benefício dessa ambivalência e, portanto, a encorajará sempre que possível — como expressar gratidão ao Brasil por não condenar sua agressão”, conclui.
Lula tem evitado um alinhamento automático com os Estados Unidos e a União Europeia e busca se apresentar como defensor da tradicional posição de neutralidade da diplomacia brasileira.
Mas essa neutralidade também tem motivos econômicos: a Rússia é, há anos, líder no mercado de fertilizantes, vitais para o agronegócio brasileiro e majoritariamente importados.
Lula negou, por exemplo, um pedido do governo da Alemanha para o Brasil fornecer munição de tanques que seria repassado por Berlim à Ucrânia.
Apesar do não-alinhamento, o presidente vem discutindo o conflito com grandes líderes ocidentais, incluindo o presidente francês Emmanuel Macron, o presidente dos EUA, Joe Biden, e o chanceler alemão, Olaf Scholz.
Para o pesquisador Mathieu Boulègue, contudo, “não deve haver nenhum incentivo da comunidade internacional para negociar ou barganhar com um criminoso de guerra”, diz ele, em alusão à Rússia.
“Nenhum compromisso deve ser feito, e a Ucrânia deve ser apoiada ao máximo. Ponto final”, acrescenta Boulègue, que é especialista em questões de segurança e defesa da Eurásia, com foco na política externa russa e assuntos militares.
Assim como Giles, Boulègue levanta suspeitas sobre a real intenção da Rússia de alcançar uma solução pacífica para o conflito.
“Nada que o Kremlin faça ou diga sobre ‘acordos negociados’ ou soluções de paz pode ser confiável ou levado a sério. Moscou não negociaria de boa fé ou seria digno de confiança para implementar o que quer que assine.”
Ele também permanece pessimista sobre um fim próximo da guerra.
“A Ucrânia não negociará com um invasor que nem mesmo reconhece o direito dos ucranianos de existirem como nação”.
Em conversa com a BBC News Brasil, embaixadores brasileiros reservadamente disseram desconhecer qualquer iniciativa dos russos de contato com o Itamaraty para pedir detalhes sobre a sugestão brasileira do clube da paz. Mas veem no gesto público de Moscou um reconhecimento do Brasil como um “negociador honesto” em campo. O mesmo reconhecimento, aliás, teria sido dado ao Brasil pelo lado ucraniano: no último dia 18, o chanceler Mauro Vieira se encontrou com o Ministro de Negócios Estrangeiros da Ucrânia, Dmytro Kuleba, às margens da Conferência de Segurança de Munique, na Alemanha, para expor a posição brasileira sobre a guerra. Nesta sexta, Zelensky se disse aberto a negociações com outros países além dos aliados da OTAN.
O governo do Brasil e o da Ucrânia trabalham para viabilizar uma ligação telefônica entre Lula e Zelensky já na semana que vem.
– Este texto foi originalmente publicado em https://www.bbc.com/portuguese/articles/c801gk58e5po
Por: G1
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