A decisão encerra um impasse complexo para o governo sul-africano – o de ter, como signatário do TPI, que prender Vladimir Putin caso ele pisasse em solo nacional. É também uma derrota para o presidente russo: a confirmação de que seus direitos foram cerceados, e ele perdeu a liberdade de circular livremente fora do país. Sem alternativa, será representado pelo chanceler Sergei Lavrov.
Desde o início, a participação de Putin no encontro dos Brics revelou-se um nó complicado de desatar para o presidente Cyril Ramaphosa: ser forçado, como anfitrião da conferência, a prender um convidado e aliado. O TPI emitiu em março um mandado de prisão contra o presidente pela suposta deportação forçada de milhares de crianças da Ucrânia para a Rússia.
Soluções alternativas para destrinchar o imbróglio diplomático foram cogitadas, sem sucesso. A participação de Putin poderia ser virtual, mas foi descartada pelo chanceler Sergei Lavrov. A conferência poderia ser transferida para a China, que, como a Rússia, não é signatária do TPI. Não houve, contudo, unanimidade para aprovar a proposta.
Ramaphosa chegou a sugerir a retirada de seu país do Tribunal de Haia, mas a solução foi rechaçada pelo próprio partido, o Congresso Nacional Africano, e considerada inconstitucional. E o presidente foi forçado a voltar atrás, atribuindo a ideia a um erro de comunicação.
O governo sul-africano arquitetou e aprovou, então, uma mudança na legislação a fim de conceder imunidade diplomática às autoridades que participassem da reunião de dois dias em Joanesburgo. Aparentemente, o problema estaria resolvido, mas a medida, encarada como uma manobra para assegurar a presença de Putin, também se revelou controversa.
O Estatuto de Roma, que em 2002 criou o TPI, prevê que a corte internacional é soberana. Nenhum país pode anular um mandado de prisão, argumentaram analistas jurídicos. Em 2015, a África do Sul enfrentou um dilema semelhante, ao se recusar a cumprir um mandado de prisão ao então presidente do Sudão, Omar al-Bashir, acusado de genocício pelo TPI.
A diferença é que agora há uma guerra em curso, protagonizada pela Rússia, alvo de sanções de boa parte da comunidade internacional. A África do Sul vem se mantendo neutra nas resoluções contra a Rússia. Ramaphosa se mostrou previdente em relação às ameaças do país sobre uma possível prisão de seu mandatário.
“A Rússia indicou claramente que qualquer detenção de seu presidente em exercício equivaleria a uma declaração de guerra. Não seria consistente com nossa Constituição arriscar envolver o país em uma guerra com a Rússia”, argumentou o presidente sul-africano.
Por ora, é improvável que o julgamento de Putin siga adiante em Haia. Por não ser signatária do TPI, a Rússia não entregará seu presidente. Ele teria que ser preso fora do país, uma vez que a corte internacional não realiza julgamentos à revelia. Por esta razão, a decisão de suspender a viagem à África do Sul para evitar ser preso mostra que Putin se apequenou.
Presidente da Rússia, Vladimir Putin, durante encontro online com países do BRICS — Foto: Sputnik/Mikhail Metzel/Kremlin via REUTERS
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