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Oscar 2023: por que Vietnã não celebra o prêmio a Ke Huy Quan, de ‘Tudo em Todo O Lugar ao Mesmo Tempo’

today18 de março de 2023 23

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“Passei um ano em um campo de refugiados e de algum jeito acabei chegando aqui, no maior palco de Hollywood”, disse ele.

“Dizem que histórias como essa só acontecem em filmes. Eu não acredito que esteja acontecendo comigo. Esse é o sonho americano.”

Quan é a primeira pessoa de origem vietnamita a ganhar um Oscar e um dos dois indicados este ano: o outro foi Hong Chau, de “A Baleia”, cuja família também fugiu do Vietnã em um barco.



No entanto, no Vietnã, a reação oficial foi pouco entusiasmada. A imprensa vietnamita — que é quase toda controlada pelo Estado — pouco noticiou o prêmio de Ke Huy Quan e seu passado.

Alguns veículos deram ênfase à ascendência étnica chinesa do ator, em vez de suas origens vietnamitas.

Ke Huy Quan agradece seu Globo de Ouro por melhor ator coadjuvante em filme em “Tudo em todo lugar ao mesmo tempo” — Foto: Rich Polk/NBC via AP

Ke Huy Quan nasceu na capital do sul do Vietnã, Saigon, em 1971. Sua família fazia parte de uma minoria étnica chinesa bem-sucedida, algo comum em muitas cidades do Sudeste Asiático. Nenhum veículo de comunicação do Vietnã mencionou sua fuga do país como refugiado, em um êxodo em massa das chamadas “boat people”.

O jornal Thanh Nien apenas escreveu que Quan “nasceu em 1971 em uma família chinesa na cidade de Ho Chi Minh [o nome oficial de Saigon] e depois se mudou para os Estados Unidos no final dos anos 1970”.

O Tuoi Tre, um dos principais jornais diários do país, observou: “Quan Ke Huy nasceu em 1971 no Vietnã em uma família chinesa, com mãe de Hong Kong e pai da China continental”.

O VN Express disse que o ator “tem pais chineses na área de Cho Lon”, o distrito comercial de Saigon tradicionalmente habitado por chineses étnicos.

Ninguém no governo vietnamita se pronunciou sobre o ator — algo pouco surpreendente em se tratando do Partido Comunista do país.

Por que essa relutância em celebrar um ator de sucesso e agora mundialmente conhecido que reconhece abertamente suas raízes vietnamitas?

O êxodo dos “boat people” nas décadas de 1970 e 1980 foi um dos episódios mais sombrios da história recente do Vietnã.

Mais de 1,5 milhão de pessoas partiram, a maioria delas de etnia chinesa, em navios muitas vezes frágeis pelo Mar do Sul da China.

Segundo a agência da ONU para refugiados (Acnur), entre 200 mil e 400 mil pessoas morreram, alguns nas mãos de piratas.

O Partido Comunista — que na época tinha acabado de derrotar o poderio militar dos Estados Unidos e presidia um crescimento econômico espetacular — prefere esquecer esse episódio. O Oscar de Ke Huy Quan traz o assunto de volta à tona.

A fuga trágica dos “boat people” é uma amostra de como sempre foi tenso o relacionamento entre o Vietnã e a China.

Os dois governos comunistas foram oficialmente muito próximos em seus anos de formação após a Segunda Guerra Mundial, com enormes quantias de ajuda chinesa indo para o Vietnã do Norte durante sua luta primeiro contra os franceses e depois contra os americanos.

Mas na época da vitória do Vietnã do Norte em abril de 1975 e da reunificação do país, as relações estavam se tornando cada vez mais tensas. Isso aconteceu quando a liderança comunista do Vietnã se aliou à União Soviética na disputa sino-soviética e após a reaproximação da China com os EUA de Richard Nixon.

A grande população de etnia chinesa, principalmente em Cho Lon — incluindo a família de Ke Huy Quan — foi afetada por essas mudanças geopolíticas. Desde a vitória comunista na guerra do Vietnã, eles já eram perseguidos pelos comunistas como principal grupo capitalista do Vietnã do Sul — e considerados suspeitos de lealdade ao regime derrotado. Muitos foram enviados para campos de reeducação.

A economia do Vietnã esteve em um estado deplorável por muitos anos após a guerra, afetada pelos danos colossais que havia sofrido, seu isolamento internacional e as inflexíveis políticas socialistas do novo regime. Como geralmente tinham dinheiro para subornar funcionários e alugar barcos, os chineses étnicos começaram a fugir em grande número a partir de setembro de 1978.

O êxodo acelerou-se após o ataque chinês ao Vietnã em fevereiro de 1979, uma época de forte sentimento antichinês no país, que continuou por mais de uma década.

A relação conflituosa com a China continua até hoje, embora a etnia chinesa não seja mais o foco principal. Muitos Viet Kieu, como são chamados os que fugiram, conseguiram retornar ao Vietnã e voltar a prosperar.

Jonathan Wang, produtor de ‘Tudo em todo o lugar ao mesmo tempo’ — Foto: REUTERS/Carlos Barria

Mas o ressentimento das políticas agressivas da China em ilhas disputadas no Mar do Sul da China e sua crescente influência econômica alimentam um forte sentimento anti-chinês entre o público.

“Ele [Ke Huy Quan] não é descendente de vietnamitas, ele é apenas sino-vietnamita e nasceu no Vietnã. Temos que deixar isso claro”, escreveu uma pessoa na página do serviço da BBC em vietnamita no Facebook.

“Eles devem escrever muito claramente que ele é sino-americano, que costumava ter nacionalidade vietnamita! Não consigo ver nenhuma ‘origem vietnamita’ aqui?”, escreveu outro.

Mas outro comentário diz que “devemos dizer que ele é vietnamita, já que nasceu no Vietnã e é descendente de chineses”.

Da cidade de Ho Chi Minh, o escritor Tran Tien Dung sugeriu no Facebook que a identidade de Ke Huy Quan é como uma pessoa “Saigon-Cho Lon”: “Para mim, Quan Ke Huy obtém sua energia de seu local de nascimento em Saigon-Cho Lon e sua fama por crescer na América. Então, quero parabenizá-lo e compartilhar a alegria com o público nas redes sociais.”

“Acho que a maneira como a mídia estatal negligenciou a história de Ke Huy Quan como um dos boat people é lamentável”, diz Nguyen Van Tuan, professor da Universidade de New South Wales em Sydney, que também emigrou do Vietnã da mesma forma que o ator.

“A história dos refugiados em barcos nas décadas de 1970 e 1980 é um capítulo trágico na história do país. A maioria dos refugiados vietnamitas que chegaram aos EUA naquela época eram chineses ou ‘puramente vietnamitas’, eram muito pobres. Eles sequer falavam inglês. Mas sobreviveram e prosperaram.”

“A geração de hoje no Vietnã não consegue imaginar a situação dos refugiados naquela época, em parte porque eles não aprenderam sobre aquele período triste e doloroso de nossa história.”

*Jonathan Head é correspondente da BBC no Sudeste Asiático. Tran Vo é jornalista do Serviço Vietnamita da BBC, baseado em Bangkok, na Tailândia.




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Por: G1

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