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Parte das medidas, em especial um aumento provisório do imposto de importações (chamado de “Pais”, que incide sobre a compra de dólares), pode diminuir o nosso fluxo de vendas para o país vizinho.
A Argentina é o terceiro principal parceiro comercial do Brasil, atrás de China e Estados Unidos. Só neste ano, foram mais de US$ 15,8 bilhões exportados para o país sul-americano, com destaque para a soja, automóveis e autopeças, além de energia elétrica.
Além dos impactos no comércio exterior, algumas medidas devem acentuar a inflação e frear a atividade econômica argentina. É o caso do fim de subsídios à energia e aos transportes, que aumentam as contas de luz e gás, além das tarifas de trens e ônibus.
Faz parte do plano de recuperação a retomada da confiança para que investimentos estrangeiros retornem à Argentina — junto com seus dólares.
Economistas e especialistas em comércio exterior ouvidos pelo g1 afirmam que o ajuste fiscal de Milei deve realmente seguir o caminho de piorar os índices de inflação e atividade, e que o processo faz parte da tentativa de reduzir o déficit das contas públicas e acumular reservas internacionais.
Nesta reportagem, você vai entender:
Governo Milei anuncia medidas para cortar gastos e desvalorizar peso
O economista Roberto Luis Troster classifica o Plano Motosserra como um “ajuste fiscal forte”, que prevê ainda uma redução de ministérios, secretarias e cargos, o corte de verbas publicitárias e a suspensão de licitações para obras públicas.
O especialista explica que, em um primeiro momento, a Argentina sofrerá uma disparada da inflação — que hoje já está na casa dos 160% —, especialmente pelos efeitos da redução dos subsídios públicos e da desvalorização da cotação do peso em relação ao dólar.
“A Argentina tem, atualmente, preços ‘regulados’ no supermercado, que não podem ter aumento. O fim dessa trava também deve colaborar com o salto da inflação”, diz o economista.
Na prática, portanto, os impactos na inflação argentina devem ocorrer, principalmente, de três formas, segundo Troster:
Para Troster, contudo, as medidas podem gerar retornos positivos mais à frente.
“Se Milei conseguir quebrar expectativas rapidamente, isso irá trazer investimentos para o país. Com isso, credores externos tendem a ser mais generosos. São medidas corajosas, mas positivas. A grande questão será o enfrentamento da oposição política”, conclui.
O economista-chefe da MB Associados, Sergio Vale, afirma que o caminho que Milei segue é o correto. Ele diz que a desvalorização cambial é necessária para eliminar as cotações paralelas e se aproximar de uma unificação.
Vale lembra que o país vizinho vive um período longo de déficit nas contas públicas e que está sem reserva de dólares, situação agravada por uma uma crise de confiança de investidores estrangeiros.
“O ajuste será doloroso, especialmente pelo lado fiscal, o que pode aprofundar a recessão argentina no ano que vem. A questão com o Brasil é que Milei quer aprofundar o processo de acordos comerciais sem o Mercosul”, diz.
Ainda que Milei tenha suavizado o discurso bélico que encampou durante a campanha, os agentes ainda tentam compreender como será a atitude de comércio exterior argentino.
Uma das formas de conseguir dólares é desequilibrar a balança comercial, privilegiando as exportações.
Welber Barral, ex-secretário de Comércio Exterior e sócio da consultoria BMJ, diz que 2024 será um ano muito difícil para a Argentina, mas Milei tentou uma solução rápida para aproveitar o potencial de exportação do país.
Entre outros fatores, o governo confia que o ano que vem terá boa safra agrícola e será possível reduzir importações de gás com a produção em Vaca Muerta, no oeste do país, uma das maiores reservas do mundo de gás de xisto e de petróleo não convencional.
“O governo Milei resolveu fazer a ‘maldade’ toda de uma vez. Todo mundo sabia que seria necessário um ajuste. A dúvida é se seria paulatino ou não”, diz Barral.
“As medidas internas são muito duras. São cortes de subsídios em serviços básicos, e tem boa chance de enfrentarem uma oposição organizada.”
Com um aumento provisório do imposto de importações e dos impostos retidos na fonte sobre as exportações não agropecuárias, a Argentina cria artifícios para favorecer os produtores nacionais, o que pode prejudicar mercados que têm o país vizinho como destino.
“Não chega a ser nada dramático, pois as medidas são temporárias para equilibrar a situação fiscal, mas vão afetar a competitividade relativa”, diz Welber Barral, da consultoria BMJ.
Para o automotivo, setor mais relevante, trata-se de um entrave para um mercado que já vinha difícil. Neste ano, a Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores (Anfavea) apontou que a Argentina perdeu para o México o posto de principal comprador de automóveis brasileiros.
Nesse cenário de enxugamento, a projeção da Anfavea é de uma redução de 17,1% em volume para as exportações gerais de automóveis em 2023. Para o ano que vem, está prevista uma alta de 2,1%.
Na semana passada, o presidente da associação, Márcio de Lima Leite, contemporizou. Ele disse que, com o caminhar da campanha eleitoral, percebeu um discurso “muito mais suave em relação ao Mercosul e à relação Brasil-Argentina” da parte de Milei.
“A nossa expectativa é positiva, sem alteração em relação ao Mercosul ou ao Brasil-Argentina”, disse Leite.
Procurada pelo g1, a Anfavea disse que o pacote de Milei é um dos tópicos de discussão de sua última reunião do ano com as montadoras associadas, mas por ora mantém o posicionamento de seu último pronunciamento.
A reportagem também procurou a Associação Brasileira dos Produtores de Soja (Aprosoja), que não respondeu.
Logo após as eleições argentinas, o dólar blue disparou. A cotação paralela do peso argentino é a mais usada para as transações internas, inclusive para turistas brasileiros.
O anúncio do Plano Motosserra trouxe junto uma desvalorização da cotação oficial do dólar, que passou da casa dos 360 pesos por dólar para 800.
Esse é um início de processo pra unificar todas as mais de 10 taxas de câmbio do país. Ainda não existe, entretanto, reservas suficientes para uma equalização sem que haja preocupação com falta de dólares no mercado.
“Se começar a normalizar a situação externa, gradativamente os diversos tipos de câmbio vão sendo unificados. Mas, para isso acontecer, a situação fiscal precisa ser encaminhada antes”, diz Sergio Vale, da MB Associados.
Em resposta inicial, o mercado cobrou seu preço: o dólar blue acompanhou a desvalorização e passou nesta terça-feira (13) dos 1,1 mil pesos.
“O câmbio nesse patamar possibilita um upgrade nos serviços, com excelentes hotéis, restaurantes, vinhos e passeios a custos abaixo do que normalmente teriam. Isso já aconteceu outras vezes e sempre que ocorre, vemos a demanda aumentar”, disse Marina Figueiredo, presidente executiva da Associação Brasileira das Operadoras de Turismo (Braztoa), ao g1, em novembro.
A Braztoa conta que o cenário vantajoso de conversão de moeda consolidou Buenos Aires como um dos principais destinos turísticos dos brasileiros em 2023.
Por: G1
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