“Quando a gente acompanha pela TV, é uma coisa. Quando a gente passa, efetivamente, esses problemas na pele, é outra situação”, disse o treinador de goleiros Itamar Rodrigues da Silva.
Fumaça na capital do Sudão, Cartum — Foto: AP Photo/Marwan Ali
“Quando decidimos sair de Cartum, o presidente do clube afirmou que estaria enviando um ônibus para que pudéssemos sair de lá”, contou Rodolpho Valério Leitão Maia, preparador físico do Al-Merreikh.
Ao longo do trajeto, os atletas e integrantes da equipe técnica contam que foram abordados diversas vezes.
“Quando saímos de Cartum, as duas primeiras horas foram as piores de todas as 40 horas que enfrentamos. Porque todo o confronto estava centralizado na capital. Em função disso, as barreiras eram várias. A gente não conseguia ultrapassar, a não ser que eles parassem a gente”, destacou o preparador físico.
Ruas desertas de Cartum, capital do Sudão, após eclosão de conflito armado no país — Foto: Arquivo pessoal/ Paulo Sérgio
Rodolpho ressalta ainda que, em todas as paradas em barreiras na saída da capital do Sudão, uma assustou ainda mais o grupo.
“Os milicianos pararam, o Exército local parou a gente em outra parte e foram momentos muito tensos. Em um deles, quando nós descemos, eles levaram os brasileiros, não lembro se seis ou sete, para trás do ônibus. E não sabíamos o que poderia ter acontecido ali. Ninguém leva um grupo para trás de um ônibus escondido de todos para não fazer nada. Mas, graças a Deus, eles nos liberaram para que prosseguíssemos”, disse Rodolpho.
José Esdras e Itamar na chegada ao Brasil após escaparem de conflito no Sudão — Foto: Cristina Boeckel/ g1
A decisão de sair no veículo fornecido pelo clube veio após uma série de dificuldades que o grupo estava enfrentando. Eles contam que a situação estava se tornando cada vez mais insustentável.
“Foram 7 dias de muita apreensão e que foram piorando. Começa a falta de tudo, de água, de comida. A apreensão quando o conflito começou a ficar mais sangrento”, afirmou o assistente técnico José Esdras Costa Lopes.
Civis tentam deixar Cartum em meio a conflito entre duas forças rivais, comandadas por generais do Sudão. — Foto: REUTERS – EL TAYEB SIDDIG
“Na fronteira com o Sudão, a gente ficou 10 horas para conseguir entrar. Depois passamos mais dez horas na fronteira. Nossos passaportes desapareceram, e começaram os problemas de infraestrutura”, disse José Esdras.
“Você não tem ideia do que é ter milhares de pessoas querendo sair de um país em um momento de guerra e tudo o que pode acontecer nisso aí”, destacou Esdras.
Rodolpho Valério Leitão Maia, preparador físico do Al-Merreikh, chora ao abraçar a filha no retorno ao Brasil — Foto: Cristina Boeckel/ g1
Como entre os integrantes do time estava uma funcionária da embaixada brasileira no Sudão, ela fez a diferença na travessia da fronteira.
“Quando sumiram os nossos passaportes, eu fui junto com ela, no meio de uma confusão muito grande, eu levantei o passaporte diplomático, eles me visualizaram, e pudemos entrar no meio daquela confusão toda. Eles não falavam muito inglês, e pudemos falar depois com uma pessoa que fosse responsável. Entrei em contato com as pessoas no Cairo, e tinha um intérprete. E aí as portas começaram a ser abertas. Se não fosse ela, talvez estivéssemos lá até hoje”, conclui Esdras.
Ônibus foi fretado pelo Al-Merreikh, time do Sudão — Foto: g1
No retorno, as malas de cinco brasileiros ainda foram extraviadas na chegada ao Rio de Janeiro.
O atacante Paulo Sérgio destacou que três brasileiros ainda estão no Sudão.
“Foram dias de medo, de angústia. Mas, graças a Deus, foi tudo certo. Estou bastante cansado, exausto. A luta ainda não acabou. Ainda tem 3 meninos lá. A gente está em contato direto para que o Itamaraty faça alguma coisa por eles, já que não fez por nós. Lá começou muito pesado e ainda continua. Mas conseguimos sair de lá pelos nossos próprios meios”, disse Paulo Sérgio
Iniciados no dia 15 de abril, os combates na capital do Sudão, Cartum, e nas cidades vizinhas de Omdurman e Bahri são os piores em décadas. Especialistas temem que o conflito divida o país entre as duas facções militares que compartilharam a liderança sudanesa durante a transição política nos últimos anos.
- O exército, liderado pelo general Abdel-Fattah al-Burhan, que é comandante das Forças Armadas;
- Um grupo paramilitar, comandado pelo general Mohammed Hamdan Dagalo, que é chefe das Forças de Apoio Rápido (RSF).
Em 2021, as duas facções, então aliadas, orquestraram um golpe militar no país, que passava por um período de instabilidade desde 2019, quando o então líder do país, Omar Bashir, foi destituído do poder após protestos generalizados. Com isso, al-Burhan passou a liderar um conselho de governo e Dagalo, conhecido como Hemedti, se tornou seu vice.
No entanto, desde então, diversos atritos surgiram entre os grupos, principalmente quanto à integração da RSF nas forças armadas e na futura cadeia de comando. Além disso, as facções divergem acerca do apoio a partidos políticos e a grupos pró-democracia.
Quando os combates começaram em 15 de abril, ambos os lados culparam o outro por provocar a violência. O exército acusou a RSF de mobilização ilegal nos dias anteriores, e a RSF disse que o Exército tentou tomar o poder total em uma conspiração com partidários de Bashir.
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