As três principais cidades de Camarões, país na África Central, acabaram de passar vários dias de escassez de combustível, que está se dissipando gradualmente. Em frente aos postos de gasolina de Yaoundé, Douala e Bafoussam, filas intermináveis de veículos e motos testemunham a extensão da escassez.
Ao redor dos postos, pequenos comércios de latas de 5 e 10 litros se desenvolveram. “É mais fácil se infiltrar no meio dessas motos e carros com sua lata e ser atendido primeiro”, explica Hubert.
O funcionário do Ministério da Agricultura estacionou seu veículo a uma boa distância. Com uma lata na mão e terno no corpo, o funcionário do governo, quando o encontramos, acabou de percorrer vários postos antes de encontrar o precioso líquido.
Nas últimas semanas, o país vive um estresse constante. Como o combustível está no centro da economia, quando há falta, todos os setores são afetados.
“Não posso aceitar perder sozinho. Queimar o pouco de combustível que tenho no tanque para percorrer postos. Agora, a distância onde pagávamos 100 francos (R$ 0,82), custará 200 francos CFA (R$ 1,64). Isso ajuda a amortecer o custo”, diz Joseph, que trabalha usando uma moto.
“Esta é a terceira estação que visito desde esta manhã”, diz Georges, seu colega taxista.
“Em breve, serão as festas de fim de ano, quando devemos nos organizar para deixar a família à vontade no Natal. Mas por causa do combustível, não consigo trabalhar direito. Estou prejudicado. Mas não apenas eu. Eu deveria ir para o interior para levar comerciantes e seus produtos para o mercado. Mas é impossível”, acrescenta Mathieu Oyono, motorista de táxi.
Depois de empurrar colegas taxistas, Firmin conseguiu ser atendido, mas não como queria.
“Eu precisava gastar 5000 francos (R$ 41,00), mas, dada a quantidade de pessoas, o frentista concordou em me servir por 2.500 francos (R$ 20,50).”
Filas em frente a um posto de gasolina em Yaoundé — Foto: GETTY IMAGES
Em um comunicado publicado em 11 de dezembro, o ministro da Água e Energia explicou que “essa perturbação tem como principal causa o atraso na chegada de três navios transportando o referido produto (combustível), devido às condições meteorológicas e oceanográficas desfavoráveis que interromperam os carregamentos dos navios por quatro dias no porto de Lomé”.
Através de uma correspondência assinada em 14 de dezembro, o secretário-geral da presidência da República, Ferdinand Ngoh Ngoh, transmitiu ao ministro da Água e Energia as instruções do presidente Paul Biya para liberar as importações de produtos petrolíferos.
Grandes cidades sob apagões
Em Camarões, não é apenas a escassez de combustíveis que traumatiza a população. O país também enfrenta uma severa crise energética, manifestada por apagões frequentes.
Entre os setores mais afetados por esses cortes, está a saúde. “Quando há um corte e nosso gerador está quebrado, a conservação dos corpos se torna um problema”, diz um profissional em um hospital público em Yaoundé.
“No dia 12 de dezembro, eu deveria refazer a prótese dentária de uma senhora com quem marquei consulta. Mas, uma vez em meu consultório, percebo que não há energia. Fui obrigado a pedir que ela voltasse para casa. E é assim quase todos os dias. Infelizmente, não temos gerador em nossa estrutura”, lamenta Cyrille Tabue Towa, dentista em Yaoundé.
O profissional de saúde explica que, em caso de corte durante o trabalho, recorre a métodos rudimentares. “Instalamos esta cadeira dentária de modo que o rosto do paciente fique de frente para a luz do sol. E quando há corte, como isso acontece muito regularmente, podemos continuar o trabalho com os raios de sol”.
Segundo Cyrille Tabue Towa, a situação atinge o ápice quando ocorre um corte durante um procedimento.
“Se for apenas uma extração dentária simples, sou obrigado a iluminar a boca do paciente com um telefone ou abrir a janela para aproveitar a luz do sol. Mas, se for um tratamento de canal ou qualquer outra operação delicada, somos obrigados a parar tudo. Imagine a dor após o efeito da anestesia”, suspira ele.
O que diz a concessionária
A venda e distribuição de energia elétrica em Camarões são gerenciadas pela concessionária Eneo.
A empresa anunciou recentemente, em comunicado, perturbações no serviço em sua rede interconectada Sul, que abrange várias grandes cidades, incluindo as duas capitais, Yaoundé e Douala.
As perturbações são devidas a um déficit de combustível para acionar os geradores.
“A Eneo Camarões foi informada da paralisação completa de dois empreendimentos importantes no sistema elétrico do país a partir de 31 de outubro de 2023: as usinas a combustível de Dibamba, controladas pela DPDC, com 88 megawatts na região do litoral, e a usina a gás de Kribi, no sul do país, controlada pela KPDC, que fornece 216 megawatts”, dizia o comunicado.
As duas infraestruturas representam cerca de 20%, ou seja, 304 megawatts dos 1561 megawatts disponíveis no país.
Desde então, a empresa implementou racionamentos rotativos no fornecimento de energia elétrica em algumas cidades e localidades do país, explicando, em parte, os frequentes apagões.
Na verdade, a empresa Globeleq, que detém 56% das ações nessas duas usinas, exige da Eneo o pagamento de seus atrasados estimados em mais de 107 bilhões de francos CFA.
A imprensa local relatou, em 18 de dezembro, um montante total de 234,5 bilhões de FCFA [Franco CFA (Comunidade Financeira Africana)] que a empresa cobra do Estado.
Na distribuição, encontram-se três grandes categorias de devedores: o Estado central (131,7 bilhões de FCFA), as empresas públicas (55 bilhões de FCFA) e outras entidades públicas (47,8 bilhões de FCFA), segundo o jornal “Investir no Camarões“, citando um documento interno da organização.
‘É difícil. A qualquer momento podemos ficar no escuro’
No mercado Mvog-mbi, um dos centros comerciais mais importantes da capital camaronesa, a economia está desacelerada.
“Se você abrir uma peixaria em Yaoundé sem um gerador, isso significa que você mesmo não é sério”, ironiza um pescador. À pergunta sobre o porquê, ele responde sem rodeios: “Os apagões são nosso cotidiano! E quando você trabalha nesse setor, corre o risco de ter uma má reputação por vender peixe estragado.”
Em um escritório de informática próximo a uma universidade privada, Christian, o gerente, luta para obter a receita diária.
“Mal conseguimos fazer 10.000 francos CFA [moeda utilizada por países africanos que fazem parte de duas zonas econômicas distintas: a Zona do Franco CFA da África Central e a Zona do Franco CFA da África Ocidental] por dia.”
“No entanto, estamos localizados em um local estratégico. Mas o problema é a eletricidade. Quando passamos um dia sem trabalhar, não sabemos como lidar não apenas para pagar os locadores que nos alugam este espaço, gerenciar nossos funcionários que também têm famílias, e nós mesmos, precisamos cuidar de nossas próprias famílias nesta véspera de festas de fim de ano”, desabafa ele.
A inflação continua a impactar o cotidiano dos camaroneses
Os camaroneses estão recorrendo ao ‘a granel’, um óleo de qualidade duvidosa, para contornar a inflação. — Foto: JEAN CHARLES BIYO’O ELLA/ BBC
À medida que as festas de fim de ano se aproximam, o orçamento da dona de casa está sofrendo os impactos da inflação.
Óleo de cozinha, cebola, tomate, frango, cereais, carnes, leite, queijo, ovos, vegetais aumentaram nos mercados. As populações têm dificuldades para equilibrar as contas. A vida permanece “intocável”, como dizem nas ruas de Yaoundé.
Nos mercados, o frango de corte, que inicialmente era vendido por 4000 francos CFA (R$ 32,80), agora chega a 4500 francos CFA (R$ 36,90), ou até 5000 francos CFA (R$ 41,00).
Tornou-se praticamente impossível para algumas camadas da população adquiri-lo. Isso levanta o temor de uma crise alimentar durante estas festas de fim de ano.
“Não sei como vou fazer com meus filhos no dia 25 de dezembro. Tudo está caro. As roupas, os sapatos. Sou mãe de cinco filhos. E avó de três netos. Os pais deles ainda não têm empregos. E toda essa carga está sobre mim”, lamenta a mãe Geneviève, uma mulher solteira de 58 anos.
Aqueles que temem o pior nos próximos dias preferem antecipar. “Já comprei meus três frangos de Natal na semana passada. Nunca se sabe! As coisas podem ainda ficar mais caras do que são hoje”, alerta Marie-Jeanne. Ela foi ao mercado comprar também seu cesto de tomates que pretende armazenar em caixas em casa.
‘A garrafa de um litro sofreu um aumento de 13% em alguns locais’
A garrafa de óleo de um litro passou de 1500 (R$ 12,30) para 1700 francos CFA (R$ 14,06), podendo chegar a 1800 (R$ 14,76) ou 2000 (R$ 16,40) francos CFA em algumas localidades – um aumento de cerca de 13%.
No interior do país, o preço disparou neste período. Em 2023, o governo camaronês autorizou a importação de um volume de 200.000 toneladas de óleo de palma.
O país enfrenta um déficit anual estimado em 160.000 toneladas, conforme a ASROC, a Associação dos Refinadores de Oleaginosas de Camarões.
“Até mesmo o óleo vermelho, que era considerado o óleo dos pobres, tornou-se ouro hoje. Somos obrigados a recorrer ao a granel”, diz uma cliente em seguida.
O ‘a granel’ é uma oleaginosa vendida em garrafas plásticas a baixo custo e ao ar livre em mercados. Sua embalagem e manipulação muitas vezes são fontes de preocupação no país. Com o aumento dos preços dos óleos vegetais, o a granel tornou-se um produto de grande consumo. Quase todas as famílias o utilizam, seja para frituras ou para cozinhar. “É o óleo daqueles que não têm recursos como nós. Eu o consumo, não me causa nenhum problema”, responde Odile.
‘O eterno calvário da água potável’
Entre as necessidades mais urgentes dos lares nesta época de festas de fim de ano, destaca-se também o acesso à água potável.
Yaoundé enfrenta uma demanda diária de 315.000 m³ de água, mas só dispõe de 100.000 m³ por dia. Essa quantidade já é insuficiente e a situação piora com as interrupções. O estresse hídrico levou muitos habitantes do Camarões a adotar o chamado ‘sistema D’.
Tanto na cidade quanto no campo, cada um recorre aos seus próprios meios e truques. Entre perfurações, poços adaptados e pequenas fontes, a população ainda não tem escolha.
Baldes, latas, bacias; os lares são obrigados a se abastecer com vizinhos generosos pela manhã. Na falta disso, é necessário ajustar o relógio e acordar às 3h da manhã para encher os recipientes.
“E mesmo quando essa água chega às 3h da manhã, às vezes, ela é de má qualidade, com uma coloração quase amarelada. Beber isso é procurar por problemas”, diz Robert.
Emmanuel mora no bairro de Efoulan, no 3º arrondissement [bairro] de Yaoundé. Todas as manhãs, ele busca água de uma fonte localizada abaixo de sua casa. Uma verdadeira tarefa árdua para o jovem estudante da Universidade de Yaoundé I.
“Tivemos um pouco de sorte que a estação chuvosa se estendeu até dezembro. A fonte ainda não secou. Mas se você estivesse aqui na mesma época do ano passado, veria uma fila de crianças e adultos vindo buscar água. A água neste bairro é um verdadeiro calvário. Acabamos nos acostumando com esse estresse hídrico, mesmo contra nossa vontade. Já são muitos anos assim. Nem mesmo há instalações de água aqui. Cada um se vira como pode”.
Em agosto passado, o Ministro da Água e Energia lançou a fase 2 do Projeto de Abastecimento de Água Potável em nove cidades do país, em Garoua-Boulaï, a 580 quilômetros de Yaoundé.
O projeto visa expandir e modernizar as estações de produção de água potável em cidades como Kribi e Sangmélima no sul, Bafoussam, Bamenda e Dschang no oeste, Garoua-Boulai no leste, Maroua e Garoua no norte, entre outras.
Há alguns meses, a Camwater, a empresa responsável pela distribuição de água potável no Camarões, lançou o que chamou de “trabalhos especiais de emergência para fortalecimento do fornecimento” nas áreas afetadas pela falta de água na capital camaronesa. Essas operações incluem correções, reparos e otimização das redes primárias e secundárias de distribuição de água potável.
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