O projeto foi apresentado em 2011 pelo ex-deputado Arnaldo Jordy (PA). Mais de dez anos depois, em 2022, foi aprovado pela Câmara dos Deputados e seguiu para o Senado Federal, onde começou a ser discutido somente na última semana através do relator da proposta Flávio Bolsonaro (PL-RJ).
A polêmica cresceu depois que a Luana Piovani e o Neymar trocaram farpas nas redes sociais por causa da PEC. A atriz se uniu a ambientalistas em uma campanha contra a proposta, enquanto o jogador de futebol anunciou uma parceria com uma construtora para um condomínio na beira do mar.
🏝️O que são terrenos de marinha?
Para entender a PEC, os especialistas ouvidos pela equipe de reportagem afirmaram que é necessário entender o que são terrenos de marinha — que pertencem à União e, apesar do nome, não são propriedades da Marinha do Brasil.
De acordo com a presidente da Comissão Permanente de Meio Ambiente da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) de São Paulo, Rosa Ramos, as áreas à beira-mar de que trata a proposta são terrenos na faixa de terra que começam 33 metros depois do ponto mais alto que a maré atinge.
Rosa explicou que estes bens da União estão descritos no artigo 20 da Constituição. Sendo alguns deles: praias marítimas, costeiras, ilhas oceânicas e fluviais. “Nem todo terreno de marinha será uma praia e nem toda a extensão das praias será sempre um terreno de marinha”, disse ela.
Veja a divisão das áreas na beira da praia — Foto: Ministério da Gestão e Inovação (MGI)
🤔Mas, como as praias podem ser privatizadas?
A PEC quer retirar da União a propriedade exclusiva sobre os terrenos de marinha e transferi-la para estados, municípios ou proprietários privados.
A professora de Direito Administrativo e Auditoria Pública, Virgínia Machado, afirmou que não está claro na PEC que as praias, que são bens públicos e de uso comum do povo, serão privatizadas. No entanto, esta transferência de propriedade pode gerar essa consequência mesmo que indiretamente.
Segundo ela, isto pode acontecer porque a proposta abre a possibilidade do mercado imobiliário se apropriar da área e fazer o que quiser. Por exemplo, hotéis, resorts e condomínios na beira do mar, onde a população precisa pagar para ter acesso à praia.
“Se eu permito que a iniciativa privada se apodere daquilo ali, ela vai poder colocar cerca, muro, arame farpado e restringir o acesso de todo mundo à praia. Você [população] precisa de um acesso para chegar do continente à praia”, explicou a professora.
🏢Qual é o objetivo da PEC?
Prédios tortos na região da orla da praia de Santos (SP) — Foto: A Tribuna Jornal
Os donos de imóveis em áreas da União, como na orla de Santos (SP), possuem apenas 87% da propriedade — os outros 13% são da União — e pagam uma taxa, chamada de laudêmio. Entre as alterações previstas na PEC, esta cobrança e divisão deixam de existir.
De acordo com um levantamento obtido e compartilhado pelo relator da PEC Flávio Bolsonaro (PL-RJ), o projeto pode afetar pelo menos 521 mil propriedades caso avance no Senado Federal e seja sancionada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT).
A professora Virgínia explicou que se o interesse é garantir a segurança jurídica aos proprietários destes imóveis pode haver um projeto para regulamentar apenas essa situação. Segundo ela, não há necessidade de transferir o domínio total para estados, municípios e, principalmente, iniciativa privada.
🌎A PEC pode afetar o meio ambiente?
Uma nota técnica emitida pelo Grupo de Trabalho para Uso e Conservação Marinha (GT-Mar), afirmou que a aprovação da PEC representa uma grave ameaça ambiental às praias, ilhas, margens de rios, lagoas e mangues, além de ser um aval para expulsão de comunidades tradicionais de seus territórios.
Ao g1, a Oceanógrafa e Mestranda de Ciência e Tecnologia do Mar da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) na Baixada Santista (SP), Mariana Amaral, listou os impactos da proposta nas praias, principalmente, aquelas que estão localizadas no litoral do Estado.
➡️Segundo a especialista, a orla da Baixada Santista possui ecossistemas importantes, como os manguezais e restingas, que são protegidos pela União para que não sejam degradados. Eles auxiliam no combate das mudanças climáticas e no aumento do nível do mar.
Mar invadindo faixa de areia e calçada em Santos (SP) — Foto: Prefeitura de Santos/Arquivo Carlos Nogueira
“As pessoas privatizariam e afetariam esses ecossistemas que são o que nos protegem”, afirmou ela.
➡️Outro impacto, de acordo com Mariana, seria a expulsão da população que vive nessas áreas. “Eu digo em relação aos povos ribeirinhos, os povos tradicionais, aqueles que vivem da pesca artesanal, principalmente”, explicou.
➡️Para a Oceanógrafa, caso a PEC entre em vigor, as pessoas não terão livre acesso às praias. Ela citou, por exemplo, as praias que ficam dentro de condomínios no litoral de São Paulo. Elas são públicas, mas o acesso é complicado.
“Nos dá uma segurança saber que a União cuida e preserva essa área. É uma área de preservação que não deve ser mexida. Imagina, cada pedacinho do litoral não tendo mais essa segurança? Cada um fazendo como bem quiser? Ia virar uma bagunça”, finalizou Mariana.
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