Uruguai vive uma crise hídrica histórica. Com níveis de chuva muito abaixo do normal, os reservatórios de água doce do país de 3,4 milhões de habitantes estão secando. A represa de Paso Severino, que abastece metade da população, trabalha com 6% de sua capacidade, nível mais baixo desde 1949, ano do primeiro registro. Diante da iminente seca, o governo decidiu abastecer a população com água retirada do estuário do Rio da Prata, oferecendo uma água salobra nas torneiras de Montevidéu.
Desde o início de maio, as casas da capital uruguaia recebem na torneira uma água com gosto estranhamente salgado. Para não interromper o abastecimento hídrico diante da seca em seus reservatórios, a instituição responsável pela distribuição de água no país, a OSE, decidiu fornecer aos habitantes uma mistura de água potável com água retirada do estuário do Rio da Prata.
Para que isso fosse possível, a entidade teve de alterar os níveis máximos aceitáveis de sódio e de cloreto na água. A medida foi tomada com o acordo do Ministério da Saúde, o que provocou uma onda de protestos, como os que tomaram as ruas de Montevidéu nessa quarta-feira (31).
Com receio da qualidade da água, os uruguaios fazem fila para comprar garrafas de água mineral nos supermercados, produto está cada vez mais raro nas prateleiras.
“Antes eu bebia direto da torneira e não tinha gosto ruim. Agora nem pensar”, conta María Esther Fernández, uma aposentada de 72 anos de Montevidéu.
Morador de Montevidéu chega em casa com garrafões de água mineral, no dia 18 de maio de 2023. — Foto: REUTERS – MARIANA GREIF
Diante da crise de opinião pública, o ministro uruguaio do Meio Ambiente afirmou em 11 de maio que a água é apta para consumo humano, ainda que não cumpra com os requisitos para ser considerada potável.
“Essa água não é potável segundo a definição perfeita de potabilidade, que são indicadores, mas ela cumpre com medições rígidas. Por isso, o que dizemos é que a água é bebível e consumível, que é uma outra definição”, justificou o ministro Robert Bouvier.
As autoridades tiveram de recorrer a esta saída devido ao estado crítico dos reservatórios de água potável de Paso Severino. A represa, que tem capacidade para 4,5 milhões de metros cúbicos, trabalha atualmente em seu mais baixo nível histórico, com 6% de sua capacidade.
Segundo estimativas oficiais, essa quantidade é suficiente para garantir o abastecimento de água de 2 milhões de uruguaios apenas até meados de junho.
A crise hídrica provoca a indignação da população contra o governo de centro-direita do presidente Luis Lacalle Pou. Os protestos criticando a conduta do governo, que não tomou medidas preventivas de redução do consumo de água quando já se sabia que as chuvas eram insuficientes para garantir o abastecimento.
“Há 26 dias, estamos sem água potável na região metropolitana, onde vive 60% da população uruguaia. Temos água corrente, mas com níveis de cloreto e sódio acima dos permitidos, o que levou a uma emergência hídrica. Essa água é prejudicial para uma grande parte da população com problemas de saúde, que não pode bebê-la”, explica María Selva, membro da rede Amigos da Terra no Uruguai.
Protesto contra crise hídrica que provoca o desabastecimento de água no Uruguai — Foto: AP – Matilde Campodonico
“Por que chegamos a essa crise? Estamos passando por uma seca muito importante, justamente por causa da mudança climática, mas poderíamos tê-la enfrentado de outra forma. Sabíamos que isso ia acontecer e não havia planejamento ou plano de contingência para a crise que estamos vivendo”, denuncia Selva.
Se o episódio de seca excepcional não era completamente previsível, há um cenário de secas recorrentes causado pelas consequências do aquecimento global para o qual o país mostrou não estar preparado.
“É evidente que esta é uma seca extraordinária. Se compararmos com o registro dos últimos 44 anos para essa região do sudoeste do país, veremos que não há registros como esse. Mas é preciso ter em mente que, de acordo com o último relatório do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas, na bacia do Rio da Prata, que inclui o Uruguai, o sul do Brasil, a Argentina e o Paraguai, as secas futuras serão mais frequentes e mais severas, mas, em princípio, mais curtas. É sempre bom pegar um caso como esse, que afeta a segurança hídrica de centenas de milhares de pessoas, para se preparar e tentar evitar que esse tipo de situação ocorra novamente no futuro”, diz o climatologista Marcelo Barreiro, da Universidad de la República.
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