O incêndio aconteceu após o vazamento de combustível de um dutos que ligava a Refinaria Presidente Bernardes de Cubatão (RPBC) ao terminal portuário da Alemoa. A tubulação, que passava pela comunidade, rompeu e espalhou algo em torno de 700 mil litros do produto inflamável pelo mangue.
O fogo, com base nos registros da época, começou aproximadamente duas horas, depois da ignição do combustível em contato com alguma fonte de calor. As chamas logo se alastraram e consumiram os barracos de madeira.
Tragédia da Vila Socó completa 40 anos
José Fernandes Jesus, de 52 anos, tinha 12 quando viu acordado o pesadelo. “O fogo parecia que estava querendo te pegar. Ele vinha por tudo [por todos os lados], pegando fogo em tudo”. Naquela região de mangue, milhares de famílias viviam em palafitas.
O número oficial de mortes divulgado pelas autoridades à época foi 93. Existem, porém, contestações até hoje sobre o total de vítimas fatais. Há quem diga que o número pode ser até cinco vezes maior.
“Não tem como esquecer isso jamais. Podem passar 100 anos que [as memórias] vêm na lembrança”, lembrou sobre a tragédia, que começou na madrugada do dia 24 e avançou até a madrugada seguinte, do dia 25.
E hoje, como está a Vilá Socó?
Após a tragédia, a área da Vila Socó foi aterrada, bem como a tubulação que era responsabilidade da Petrobras. Atualmente, o local é denominado de Vila São José, e voltou a abrigar centenas de famílias. Moram naquela região aproximadamente 5 mil moradores.
Segundo a Secretaria Municipal de Segurança Pública e Cidadania (SSPC), há um controle rigoroso da tubulação por meio de equipamentos que monitoram a pressão e resistência dos tubos diariamente, além da ampla sinalização da área (veja na foto abaixo).
A Vila São José conta com sinalização sobre a área com tubulação aterrada — Foto: Carlos Abelha/TV Tribuna
Em nota, a Prefeitura de Cubatão afirmou que um núcleo residencial formado por 400 casas foi construído pela Petrobras por meio de convênio com a administração municipal.
“Sobreviventes da tragédia da Vila Socó foram indenizados e passaram a habitar o local, que foi totalmente urbanizado, recebendo escola, creche, posto de saúde, infraestrutura urbana e calçamento”, respondeu a prefeitura.
Ainda segundo o Executivo, o bairro passou por processo de regularização fundiária e, em 2019, as 400 famílias iniciaram o processo de recebimento das escrituras definitivas dos imóveis, tornando-se oficialmente proprietárias do terreno.
A prefeitura informou, ainda, que absorveu ensinamentos com a tragédia, principalmente em relação à proteção da vida humana e à preservação do meio ambiente. “As medidas tomadas após o incêndio entrelaçam-se com as ações assumidas em prol da recuperação ambiental do município”.
A administração municipal citou ter recebido reconhecimento mundial, pelas ações, com o título de Cidade Símbolo de Recuperação Ambiental na ECO-92, naconferência das Nações Unidas (ONU) pelo meio ambiente realizada no Rio de Janeiro, em 1992.
Atualmente presidente da associação de moradores da Vila São José, o técnico administrativo José Fernandes, citado acima, relembrou com dor todo o sofrimento que passou e viu a comunidade passar durante o incêndio.
Ele, a mãe e a irmã foram acordados com gritos de vizinhos alertando sobre o fogo e conseguiram se salvar correndo pela Via Anchieta. “Via gente nua, gente de camisola e de todo jeito, escapando do incêndio”, afirmou.
O técnico perdeu muitos conhecidos na tragédia, mas nunca saiu do local. Segundo ele, foi necessária a união da comunidade para reconstruir a vila, que hoje tem mais infraestrutura.
“Tem água encanada, tem de tudo. Melhorou muito, porque antigamente era palafita, tinham duas ruas de terra e o restante era mangue. Tinha que passar por cima das pontes”, disse José.
Dezenas de pessoas morreram durante o incêndio na Vila Socó, em Cubatão — Foto: Arquivo/A Tribuna Jornal
Outro sobrevivente que ainda vive no local é o autônomo José Luciano Santana Martins, de 50 anos. Ele contou que uma das lembranças mais vivas é a de pessoas carbonizadas e outras desesperadas procurando por familiares. “Foi uma tragédia inesquecível que nunca vi até hoje no Brasil”, afirmou.
Para ele, a data do incêndio traz tristezas, saudades dos amigos que se foram e preocupação com o futuro. Isso porque ele diz que o local foi esquecido pelas autoridades mais uma vez.
“Gostaria que enxergassem a nossa comunidade não só em fevereiro, mas sim nos 365 dias do ano”, desabafou.
A confeiteira Neigila Soares da Silva tinha apenas quatro anos quando a tragédia aconteceu. No entanto, ainda tem memórias traumáticas do incêndio, pois perdeu os pais e um tio.
Ao g1, a mulher contou que escapou das chamas porque tinha dormido na casa da avó junto com a irmã, em outro bairro de Cubatão. Ela não costumava dormir lá, mas, naquele dia, pediu para ficar com os avós.
Vila Socó ficou destruída com incêndio — Foto: Arquivo/A Tribuna Jornal
“Então a vovó pediu para o meu tio levar minha mãe [para a Vila Socó], pois ela achava perigoso minha mãe voltar sozinha. Meu tio acabou dormindo lá”, contou, sobre o parente que na época tinha 19 anos e acabou morrendo junto com os pais de Neigila.
A mulher disse que, apesar da tragédia que destruiu parte da família, ela e a irmã conseguiram crescer sem revolta. No entanto, o sentimento ainda é de busca por justiça. “Relembrar é preciso, pois, mesmo depois de 40 anos, ainda falta responsabilizar quem foi negligente na época”, afirmou.
“Às vezes me pergunto como será que teria sido minha vida [sem o incêndio e ainda com os pais vivos]. Será que teria sido diferente de hoje?”, se questionou Neigila.
Vila São José ganhou equipamentos públicos — Foto: Carlos Abelha/TV Tribuna
A Prefeitura de Cubatão informou que realizará homenagens em memória às famílias atingidas pelo incêndio há 40 anos. Confira a programação:
Domingo (25): 9 horas – Ato Ecumênico em homenagem às vítimas. Local: Centro Comunitário da Vila São José, na Rua São Francisco de Assis, 470 10 horas – Depósito de coroa de flores no marco em homenagem às vítimas.
Segunda-feira (26) 17 horas – Sessão Solene por memória, verdade e justiça. Local: Auditório da OAB/Cubatão – na Rua São Paulo, 260 – Jardim São Francisco.
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