“Faço isso para que todas as pessoas entendam com uma linguagem fácil e simples”. Esse é o lema de Vênuz Capel, de 23 anos, uma pessoa trans e não-binária, ou seja, que não se enxerga como pertencente a um gênero em específico e que cria conteúdo em suas redes sociais para explicar a própria vivência de pessoa trans. Vênus nasceu em São Vicente, no litoral de São Paulo, e atualmente atua criando conteúdo em seu projeto social, o Transceda, que presta apoio à comunidade LGBTQIA+.
Ao g1, Vênus relatou que desde que se descobriu passou pelo processo em que sempre precisava explicar para as pessoas de fora da sua “bolha” sobre o que é ser trans e não-binário. “Eu comecei a me cansar de ter que explicar sempre, todas as pessoas que eu encontrava meio que me pediam uma palestra sobre o que eu sou”, lembra.
Em 2018, Vênus decidiu criar uma página no Instagram, junto com sua parceira Raphaella, o qual vivem um relacionamento transcentrado, que consiste em duas pessoas trans ou travestis. O site foi criado para explicar as principais dúvidas da época sobre a vida de uma pessoa trans, com informações sobre a comunidade, as siglas que formam o LGBTQIA+, as diferença e a utilização do pronome neutro. “A partir do momento em que começamos a nos relacionar, conversamos sobre esse cansaço que tínhamos em ficarmos nos repetindo nas explicações”.
Mais tarde, o casal decidiu criar o projeto Transceda, que consiste em uma iniciativa sociocultural de apoio à comunidade LGBT+, voltado para o suporte às pessoas trans com eventos e palestras. “Ser uma pessoa não binária é um processo muito único. Eu encontrei a minha liberdade assim”. Com o sucesso do projeto, os seguidores da página começaram a se interessar pelo dia a dia de Vênus como pessoa trans e não-binária. “As pessoas não tinham esse conhecimento, então eu comecei a falar um pouco sobre isso. Mas também fiz pela vontade de trazer mais representatividade”, explica.
Para Vênus, poder transmitir essas informações via Internet é uma forma de fazer as pessoas entenderem a temática com uma linguagem fácil e simples, porém, sem que se coloque em um lugar de especialista no assunto. “No meu perfil, falo sobre isso de um jeito que chegue na ‘quebrada’, que é onde nós [Vênus e Rafaela] moramos”.
Vênus Capel nasceu em São Vicente (SP) é não-binário e explica a sua vivência trans através da Internet. — Foto: LEASI
Na mesma época em que a página começou, Vênus também passou a se entender como uma pessoa não-binária. Por ter começado a “transicionar” ainda bem jovem, Vênus acredita ter se adaptado de forma rápida e que o próprio tipo de expressão, por meio da Internet, faz parte da sua identidade. “Meus momentos de tristeza com relação a mim mesma vêm da falta de informação das pessoas. É um incômodo como a sociedade não está preparada para lidar com meu corpo, como as pessoas ainda não estão prontas para me entender”.
No dia a dia, Vênus afirma que, atualmente, não precisa se explicar diversas vezes sobre o que é e como se identifica, justamente porque vive em uma “bolha”. “Nesse grupo de pessoas há respeito, elas entendem o pronome neutro e os falam naturalmente”.
Porém, como trabalha com produção de conteúdo digital, e, apesar de viver com pessoas que entendem a situação, por muitas vezes é necessário Vênus saia dessa zona de conforto e encare a realidade em que as demais pessoas podem não ter o acesso à informação necessária. “Eu explico e sempre busco levar referências, indicar pessoas nas redes sociais para elas seguirem, indicar gente para estar no círculo delas”.
Segundo Vênus, tudo depende de quem fala e como essa pessoa se expressa. “Nós, pessoas trans, costumamos dizer que nós sentimos principalmente quando a pessoa está sendo preconceituosa por falta de informação ou porque realmente não se importa”. Mas, Vênus ressalta que não repete por muito tempo a explicação para a mesma pessoa já que, quando não há vontade de mudar, a situação pode acabar machucando. “O quanto você está realmente disposto a mudar o seu comportamento?”, ressalta.
Com formação em pedagogia e doutorado em Filosofia da Educação, Cin Falchi explica que a sigla LGBTQIA+ inclui uma variação muito grande de existências e “modos de existir”. No entanto, de acordo com Cin, a dificuldade ocorre quando as pessoas acham que podem definir como chamar alguém somente pelo aspecto que ela aparenta ser.
Para Falchi, a simples pergunta: “Como eu posso me referir a ti?”, diminuiria drasticamente os conflitos existentes que ocorrem quando se trata do uso de pronomes com alguém da comunidade LGBTQIA+. O pedagogo, porém, ressalta que a maior dificuldade é o respeito com as pessoas não-binárias. “O x da questão não está na neutralidade, mas sim na falta de inclusão”.
Cin explica que para algumas pessoas o grande conflito está na linguagem, já que por diversas vezes, nem para as pessoas que fazem parte do grupo LGBTQIA+ essa discussão sobre pronomes é algo acessível e fácil. “Temos uma variedade muito grande de pessoas que compõem essa sigla. Toda vêm de uma mesma base de linguagem escolar, que precisa dessa inclusão não-binária”.
Entretanto, Falchi ainda ressalta que também é necessário se colocar no lugar do outro e estra aberto para aprender a linguagem a que uma pessoa LGBTQIA+ gostaria que seja utilizada com ela. “Há tantas linguagens distintas que já existem no mundo. Devemos levar em consideração que podemos sim nos reorganizar a essa forma de se comunicar com as pessoas. É também sobre respeito e dignidade.”
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