“Fugue américaine” (Fuga Americana, em tradução livre), o mais recente romance de Bruno Le Maire (editado pela Gallimard) foi lançado nas livrarias na última quinta-feira (27). O título é dedicado ao pianista Vladimir Horowitz, por meio da história de dois irmãos, Franz e Oskar Wertheimer, que viajam a Cuba para assistir a um dos seus concertos e cujas vidas viram do avesso.
Mas foi uma página do livro que chamou a atenção, quando um dos protagonistas do romance descreve sua excitação sexual extrema nos termos mais explícitos. Suas falas circularam nas redes sociais, provocando uma onda de sarcasmo e zombaria.
As publicações, claro, logo assumiram também uma conotação de questionamento político. O governo não estaria dessincronizado com os ânimos do país, mergulhado na crise previdenciária, marcada por novas manifestações nesta segunda-feira por ocasião do 1º de Maio?, se perguntam os posts.
“Seria preciso um novo Alfred Jarry para escrever Ubu Rei. Ele também poderia escrever Ubu à Bercy [sede do ministério francês das Finanças]” para descrever os últimos episódios relativos a Bruno Le Maire, disse ironicamente no domingo (30) o deputado do partido de A França Insubmissa François Ruffin, em referência ao escritor burlesco e absurdo.
Para ele, o ministro das Finanças não deveria ter “um minuto, uma hora, uma semana do seu tempo para se dedicar a escrever um livro”, no momento em que os franceses vivem “grandes preocupações com a inflação”.
Coincidentemente, a publicação do livro de Le Maire aconteceu ao mesmo tempo em que o rebaixamento do rating financeiro da França pela agência americana Fitch era anunciado.
O deputado da oposição não tardou em traçar um paralelo com a recente polêmica causada pela publicação de uma entrevista da secretária de Estado da Economia Social e Solidária, Marlène Schiappa, concedida à revista Playboy. “São coisas parecidas”, observou ele.
Divulgação da revista Playboy na França, que estrela a ministra Marlène Schiappa na edição de abril de 2023 — Foto: Divulgação
A aparição da ministra na primeira página da revista masculina, ilustrada por algumas fotos, desagradou a primeira-ministra Elisabeth Borne, que reclamou. Ela teme dar a impressão de estar à frente de um governo disperso em sua comunicação.
A esse contexto soma-se o efeito desestabilizador de uma entrevista concedida no final de março pelo presidente Emmanuel Macron à revista infantil Pif.
“A política não seria suficiente”
Autor de 13 livros, cinco deles publicados nos últimos quatro anos, Bruno Le Maire insiste em sua dupla carreira, política e literária. “Se só existisse a política, sem essa liberdade que dá a criação literária e romântica, a política não seria suficiente”, explicou durante uma entrevista na semana passada à AFP.
Solicitados pela imprensa para comentar a crise política e social em meio às manifestações do 1º de Maio contra a reforma da Previdência, os líderes do Governo não escaparam de perguntas sobre a página mais “crua” da mais recente obra de Le Maire.
“Isso mostra que, por trás dos ternos dos ministros (…) há sentimentos”, respondeu na BFMTV e na RMC o ministro do Trabalho, Olivier Dussopt, um pouco constrangido. Ele admitiu que não leu o livro, apenas a passagem erótica que “o fez sorrir”.
“Ele organiza seu tempo como quer”, declarou o à LCI o líder do partido Movimento Democrático, François Bayrou, afirmamdo que ele também escreveu livros enquanto ocupou o cargo ministerial. O político centrista não disse se leria “Fugue américaine” e teve o cuidado de não comentar a qualidade literária da obra.
Em sua conta no Instagram, o escritor Nicolas Mathieu, Prêmio Goncourt 2018, afirma ver “um pouco de excesso” nas críticas à passagem erótica do romance. “Que trecho desse tipo não pareceria ridículo quando fora de contexto, isoladamente?”, questiona o autor antes de propor, com ironia, melhorar o estilo da obra.
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