Ao g1, nesta quarta-feira (12), a vítima Paola Bandeira, de 28 anos, disse que precisou mudar de cidade após ter sido vítima de transfobia. Entretanto, afirma que o fato do caso não ter sido esquecido enche o “coração de alegria”. (Clique aqui para entender o que aconteceu com Paola).
“Somos seres humanos, merecemos dignidade e respeito, ainda tenho sequelas [emocionais] daquele dia. Me lembro como se fosse hoje a humilhação que passei na frente de outras pessoas. Só quero justiça para outras na mesma condição que eu não venham passar essa frustração na vida”.
Na época do ocorrido, o dono e advogada da academia convocaram Paola para uma reunião e classificaram o comportamento e as roupas dela como “inadequados”. Além disso, questionaram se ela teria mudado de nome em cartório e feito cirurgia de redesignação sexual. Após a vítima negar ter feito a operação, foi informada de que não poderia usar o banheiro feminino.
Segundo o MP-SP, o dono e a advogada da academia foram denunciados por racismo motivado por transfobia. O promotor Danilo Keiti Goto solicitou que a vítima seja indenizada por danos morais coletivos no valor de R$ 100 mil e pediu que a autoridade policial retire do Boletim de Ocorrência (BO) o antigo nome dela.
“Não há justificativa para utilização do antigo nome da vítima nos autos do inquérito policial, porquanto potencializa a sua revitimização [sofrimento repetitivo], especialmente por envolver um registro policial que trata justamente de transfobia”, afirmou o promotor, em nota.
A reportagem questionou a Secretaria de Segurança Pública de São Paulo (SSP-SP) sobre o motivo de terem registrado o BO com o nome antigo da vítima, sendo que Paola já havia feito a mudança no cartório. A pasta informou investigar o caso.
No documento obtido pelo g1, a juíza Danielle Câmara recebeu a denúncia e solicitou que os acusados respondam às acusações em um prazo de dez dias. Caso não apresentem resposta, o processo será suspenso e há possibilidade de prisões preventivas serem decretadas.
O g1 tentou contato com o dono e advogada da academia, mas não os localizou até a última atualização desta matéria. A reportagem também solicitou um posicionamento da OAB de Peruíbe, mas ainda não obteve resposta.
Paola foi vítima de preconceito em academia que treinava em Peruíbe, SP — Foto: Arquivo Pessoal
De acordo com Paola, a maioria dos alunos ficaram do lado dela e saíram da academia. No entanto, após a repercussão do caso, a vítima passou a ser reconhecida em Peruíbe e pessoas preconceituosas passaram a abordá-la na rua. Por este motivo, precisou mudar de cidade.
“Uns preconceituosos estavam mexendo comigo na rua e não tinha isso antes […]. Estava difícil ficar em Peruíbe, eu estava com fobia de sair na rua. Eu me arrumava todinha e quando chegava na hora de sair o meu coração acelerava, eu já estava entrando em uma depressão”, explicou.
Paola afirmou que ainda está se recuperando das sequelas causadas pelo episódio, que intitula como “os piores momentos” que já viveu. Agora, se sente melhor com a decisão. “A Justiça pode demorar um pouquinho, mas uma hora aparece […]. Lutei tanto para ser reconhecida”.
O advogado de Paola, Renan Gutevein, destacou que decisões como esta são importantes para que as pessoas entendam os direitos da comunidade LGBTQIAP+. “Espero que o Poder Judiciário, o Ministério Público e a Advocacia se unam cada vez mais em prol destes direitos, sobretudo gerando precedentes para que fatos envolvendo Transfobia ocorram cada vez menos”.
Em janeiro de 2022, Paola disse que o dono da academia reclamou, por meio de uma conversa mediada por uma advogada, de ela usar o banheiro feminino, do jeito dela falar e, também, das roupas que usava para treinar.
À época, ao g1, a advogada relatou que apenas foi contratada para mediar a conversa e “tentar apaziguar a situação”, mas que não foi preconceituosa e nem o dono do estabelecimento.
Durante a conversa, que foi gravada, a advogada levantou alguns assuntos, que, segundo ela relatou ao g1, foram ditos à pedido do proprietário da academia. No vídeo, registrado por amigas de Paola, é possível ouvir um trecho da conversa:
- Advogada: “Toda academia tem suas regras. Porque tem pessoas de vários tipos religiosos, pessoas evangélicas. […] Como você bem sabe, aqui não há discriminação, tanto é que ele [dono da academia] aceita pessoas de todos os gêneros. Só que é o seguinte, toda academia tem suas regras. […] Mas seu comportamento não é adequado à academia, pela vestimenta, pela maneira de falar, porque cada um tem seu palavreado né, seu jeito, só que as vezes dentro de um local temos que pensar nas palavras, porque como tem pessoas evangélicas aqui dentro”.
- Advogada: “E uma coisa que eu gostaria também Paloma, desculpe até perguntar. Eu sei que você é bonita, uma pessoa […]”
- Paola: “Eu sou transexual, o nome, com nome trocado também em cartório também”.
- Advogada: “Mas você chegou a fazer cirurgia?”
- Paola: “Cirurgia não, por enquanto não, por ser muito caro”
- Advogada: Sabe porque tô falando, porque é o seguinte, como você tem o órgão genital masculino, se fosse uma pessoa com cirurgia podia estar usando o banheiro das mulheres. Mas pelo fato de você ter o órgão masculino isso impede que você use, porque outras pessoas né, aqui pode ter senhoras.
Pouco depois o proprietário diz na conversa que não tem preconceito contra ela, mas que ficava incomodado com algumas palavras que ela dizia às amigas, como “gostosa” e “racha”, afirmando que são palavras que não condizem com um ambiente familiar.
Paola explicou que “racha” era um vocabulário da Bahia e que as amigas não ligavam dela chamar elas de gostosas.
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