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O escândalo de racismo que abala a família real britânica

today1 de dezembro de 2022 11

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A britânica Ngozi Fulani, fundadora de uma ONG de combate à violência doméstica, foi questionada sobre suas origens em um evento de caridade ocorrido no Palácio de Buckingham na terça-feira (29/11).

Fulani disse que ficou “totalmente chocada” com os comentários de Lady Susan Hussey, que também é madrinha do príncipe William (confira no pé desta reportagem o que foi dito por Lady Hussey à Ngozi Fulani).

O palácio descreveu os comentários como “inaceitáveis ​​e profundamente lamentáveis”.



Um porta-voz do príncipe William disse que “o racismo não tem lugar em nossa sociedade”.

“Os comentários foram inaceitáveis ​​e é certo que o indivíduo se afastou com efeito imediato”, afirmou ele.

Susan Katharine Hussey, de 83 anos, era uma confidente próxima da falecida rainha e esteve a seu lado no funeral do marido da monarca, o príncipe Phillip, no ano passado.

Ela foi uma figura chave e gozou de confiança da família real por décadas, e parte de seu último papel envolveu ajudar a organizar eventos no Palácio de Buckingham.

Lady Hussey foi a mais longeva dama de companhia da rainha Elizabeth 2ª e nasceu em uma família nobre, filha de um conde e de uma condessa. Ela é retratada brevemente na quinta temporada da série da Netflix ‘The Crown’.

O cargo de “dama de companhia”, extinto pela atual rainha consorte, Camilla, era normalmente dado a aristocratas ricas e não incluía remuneração.

Como cortesã, Lady Hussey era frequentemente encarregada de ajudar os recém-chegados a se ajustarem aos costumes da Casa Real — incluindo Meghan Markle e a princesa Diana. De acordo com o autor Christopher Wilson, Diana tinha uma “antipatia pessoal” por Lady Hussey.

Lady Susan Hussey foi uma figura chave e confiável na casa real britânica por décadas — Foto: PA Media via BBC

Fulani, em entrevista ao jornal britânico The Independent, disse que a questão era “maior que um indivíduo. É racismo institucional”.

“Fiquei em choque depois que aconteceu e quem me conhece sabe que não aceito esse tipo de besteira”, disse ela.

“Mas tive que considerar tantas coisas. Como uma pessoa negra, me vi numa posição em que queria dizer algo, mas o que aconteceu seria automaticamente visto como minha culpa, isso afetaria negativamente [minha ONG] Sistah Space.

“Iam dizer: ‘oh, ela é uma ressentida’.”

Fulani disse que não queria ver Lady Hussey “difamada”.

Uma testemunha ocular da conversa, Mandu Reid, disse à BBC News que as perguntas de Lady Hussey foram “ofensivas, racistas e hostis”.

A líder do Women’s Equality Party (Partido de Igualdade das Mulheres do Reino Unido) disse que ficou “incrédula” ao presenciar a conversa, durante a qual Fulani foi interrogada sobre de onde ela era, embora já tivesse explicado que havia nascido e vivido no Reino Unido.

Por meio de um comunicado, o Palácio de Buckingham disse: “Levamos este incidente extremamente a sério e investigamos imediatamente para estabelecer todos os detalhes.

“Neste caso, comentários inaceitáveis ​​e profundamente lamentáveis​​foram feitos. Entramos em contato com Ngozi Fulani sobre este assunto e a convidamos a discutir pessoalmente todos os elementos de sua experiência, se ela desejar”.

“Enquanto isso, o indivíduo em questão gostaria de expressar suas profundas desculpas pela dor causada e se afastou de seu cargo honorário com efeito imediato”.

“Todos os membros da família estão sendo lembrados das políticas de diversidade e inclusão que devem manter o tempo todo”.

Fulani estava em uma recepção no Palácio de Buckingham na terça-feira, representando sua ONG, a Sistah Space, com sede em Londres, que apoia mulheres de ascendência africana e caribenha em todo o Reino Unido que enfrentam abuso doméstico e sexual.

Ela e outros cerca de 300 pessoas haviam sido convidadas para o evento, onde a rainha consorte, Camilla, alertou sobre uma “pandemia global de violência contra a mulher”.

Ngozi Fulani — primeira à esquerda — foi uma das ativistas presentes em uma recepção oferecida pela Rainha Consorte — Foto: PA Media via BBC

Mas depois, Fulani descreveu em sua conta pessoal no Twitter como Lady Hussey moveu seu cabelo para o lado para ver seu crachá e a interpelou sobre onde ela era.

No post, Fulani referiu-se inicialmente a Lady Hussey apenas como “Lady SH”.

Mas Reid confirmou à BBC News que a pessoa que fez os comentários foi, de fato, Lady Susan Hussey, após ver seu crachá. Nem o Palácio de Buckingham nem a ONG a identificaram nos comunicados que divulgaram sobre o caso.

A BBC News pediu comentários a Lady Hussey por meio da assessoria de imprensa do Palácio de Buckingham.

Eis abaixo a conversa completa, conforme relatada por Fulani:

  • Lady SH: De onde você é?
  • Fulani: Sistah Space.
  • SH: Não, de onde você vem?
  • Fulani: Estamos baseados em Hackney (bairro do leste de Londres).
  • SH: Não, de que parte da África você é?
  • Fulani: Não sei, não deixaram nenhum registro.
  • SH: Bem, você deve saber de onde você é, eu passei um tempo na França. De onde você é?
  • Fulani: Aqui, Reino Unido.
  • SH: Não, mas qual é a sua nacionalidade?
  • Fulani: Nasci aqui e sou britânica.
  • SH: Não, mas de onde você realmente vem, de onde vem o seu povo?
  • Fulani: ‘Meu povo’ senhora, do que você está falando?
  • SH: Oh, eu posso ver que vai ser difícil fazer você dizer de onde você é. Quando você veio aqui pela primeira vez?
  • Fulani: Lady! Sou cidadã britânica, meus pais vieram para cá nos anos 50, quando…
  • SH: Ah, eu sabia que chegaríamos lá no final, você é caribenha!
  • Fulani: Não senhora, sou descendente de africanos, caribenhos e britânicos.
  • SH: Ah, então você é de…

Em entrevista à BBC, Fulani descreveu a conversa com Lady Hussey, de 83 anos, como “um interrogatório”.

“Foi como um interrogatório. Acho que a única maneira de explicar; ela estava determinada: ‘De onde você é? De onde é o seu povo?'”, disse Fulani ao programa Today da BBC Radio 4.

Fulani também rebateu alegações de que os comentários de Lady Hussey tivessem algo a ver com sua idade.

“Vamos esclarecer o que é isso. Já ouvi tantas alegações sobre a idade dela e coisas assim, e acho que isso é meio desrespeitoso — um tipo de etarismo (discriminação contra idosos)”.

“Realmente tenho que questionar como isso pode acontecer em um espaço que deveria proteger as mulheres contra todos os tipos de violência. Embora não seja violência física, é um abuso.”

“Se você convidar pessoas para um evento, contra o abuso doméstico, e houver pessoas de diferentes grupos demográficos, não vejo a relevância de eu ser britânica ou não britânica”.

“Tenho muito orgulho da minha herança africana. Isso é como o Windrush (imigrantes de países caribenhos convidados pelo governo britânico para imigrar para o Reino Unido entre 1948 e 1971 e depois ameaçados com deportações e perda de direitos) para mim. Você está tentando me tornar indesejável em meu próprio espaço.”

Ela acrescentou que sentiu que estava sendo solicitada a “condenar minha cidadania britânica”.

Questionada se ela queria que Lady Hussey renunciasse ou se teria se contentado com um pedido de desculpas, Fulani disse: “Eu preferiria que não tivesse acontecido…

“Tenho que manter o foco onde ele deveria estar… o foco é contra a violência contra mulheres e meninas.”

‘Momento dificilmente poderia ser pior’

Para o correspondente real da BBC, Sean Coughlan, “o que começou como uma conversa privada estranha, logo se tornou um grande constrangimento público para a família real”.

Segundo ele, “o Palácio de Buckingham reagiu rapidamente, uma prova de que trata o assunto com extrema seriedade”.

“Era para ser uma ocasião positiva para a família real, com Camilla, a Rainha Consorte, convidando cerca de 300 pessoas ao Palácio de Buckingham para apoiar sua campanha contra a violência doméstica”.

Coughlan diz que o episódio “levanta questões difíceis sobre a Família Real e sua capacidade de refletir uma Grã-Bretanha moderna diversificada”.

“Toca nos nervos sobre um sentimento de pertencimento e identidade. Faz parecer que o Palácio de Buckingham é um lugar empertigado e pouco acolhedor”.

O correspondente da BBC lembra que temas como racismo, inclusão e diversidade se tornaram “um território muito difícil para a realeza — particularmente após alegações de Meghan, mulher do príncipe Harry e Duquesa de Sussex, de que sofreu preconceito dentro da Família Real”.

“O momento dificilmente poderia ser pior”, diz Coughlan.

“Lady Susan Hussey é a madrinha do príncipe William, que chegou a Boston, nos Estados Unidos, com o desejo de se destacar internacionalmente como uma figura moderna e empática, ao entregar um prêmio ambiental”.

“Esta é sua primeira viagem ao exterior como Príncipe de Gales e ele não quer que ela seja ofuscada por uma polêmica sobre raça. Um porta-voz distanciou o príncipe William dos comentários”.

“Enquanto isso, a família tem tentado publicamente enviar uma mensagem sobre o apoio à diversidade e à inclusão”.

“O rei Charles 3º falou sobre querer que seu reinado reflita a Grã-Bretanha como uma “comunidade de comunidades”, extraindo força da diversidade”.

“As últimas nomeações para a prestigiosa Ordem do Mérito foram em sua maioria pessoas de minorias étnicas”.

“O papel de Lady Hussey como dama de companhia foi eliminado em um movimento modernizador de Camilla, mas ela manteve um papel menos importante após a morte da rainha”.

O episódio acontece também a menos de uma semana antes do lançamento da série de documentários do príncipe Harry e de sua mulher, Meghan, na Netflix na próxima semana.

Acredita-se que haverá um grande escrutínio para saber se ela reacende as alegações de racismo dentro da família real.

“Uma questão não resolvida, levantada durante a entrevista com Oprah Winfrey, diz respeito à identidade da pessoa que supostamente questionou a cor de seu filho ainda não nascido”, diz Coughlan.

Harry e Meghan também devem receber um prêmio em Nova York na próxima semana, que elogia seus esforços para enfrentar o racismo.

Em uma entrevista recente, Meghan sugeriu que pode haver mais a dizer sobre suas experiências como membro da realeza.

“Acho que o perdão é muito importante. É preciso muito mais energia para não perdoar”, disse ela em entrevista à revista The Cut.

“Mas é preciso muito esforço para perdoar. Eu realmente fiz um esforço ativo, especialmente sabendo que posso dizer qualquer coisa.”

O incidente desta semana acrescenta mais urgência aos esforços do rei para modernizar a instituição que assumiu, conclui Coughlan.




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Por: G1

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