“A liberdade custa caro”, me escreveu uma vez o ativista de oposição Vladimir Kara-Murza, em uma cela de prisão russa.
Ele citava o seu mentor político, Boris Nemtsov, assassinado em 2015 em Moscou – em um local ao lado ao Kremlin.
O preço da oposição política nunca foi tão alto na Rússia moderna. E o objetivo dos oposicionistas nunca esteve tão longe.
Mas Kara-Murza recusa-se a abandonar a sua luta ou a esperança.
Esta semana, ele fez um apelo a quem apoia a oposição a “trabalharem ainda mais” para alcançar aquilo pelo que Navalny e Nemtsov lutaram: a oportunidade de viver em um país livre.
Ele próprio fez a sua escolha há muito tempo. “O preço de falar as coisas abertamente é alto”, me escreveu o ativista, logo após sua prisão em 2022.
“Mas o preço do silêncio é inaceitável.”
O ativista da oposição Vladimir Kara-Murza foi condenado a 25 anos por traição. — Foto: Reuters via BBC
Alexei Navalny, de 47 anos, e Vladimir Kara-Murza, de 42, são homens muito diferentes.
Navalny foi um fenômeno das redes sociais, um orador carismático com um certo egoísmo normal dos líderes natos.
Kara-Murza é um intelectual de fala mansa — mais um ator de bastidores do que um sucesso de multidões.
Ainda hoje em dia ele não é um nome familiar para a maioria dos russos.
Mas ambos os homens partilhavam o mesmo impulso e a convicção de que a Rússia de Putin não é eterna e que a liberdade política é possível.
Enquanto Navalny produzia vídeo que denunciavam a corrupção no mais alto nível do poder, Kara-Murza pressionava os governos ocidentais para que fossem impostas sanções contra funcionários do governo Putin e seus bens escondidos no exterior.
Em 2015, cinco anos antes de Navalny ser atacado com um agente nervoso, Kara-Murza desmaiou e entrou em coma.
Dois anos depois, aconteceu novamente. Testes nos EUA confirmaram que ele havia sido envenenado.
Mas ele nunca deixou de dizer o que pensava, o que incluiu denunciar a invasão em grande escala da Ucrânia por parte de Putin.
No ano passado, Kara-Murza foi condenado a 25 anos de prisão por traição – embora a acusação listasse apenas atividades pacíficas.
Quando Alexei Navalny decidiu voltar para a Rússia em 2021, após uma tentativa do governo russo de matá-lo, alguns o consideraram imprudente.
Figuras da oposição que escolheram o exílio em vez da prisão argumentam que o sacrifício sem perspectiva de mudança é fútil.
Mas Navalny pensava de forma diferente.
“Se as suas crenças valem alguma coisa, você tem que estar preparado para defendê-las. E, se necessário, fazer alguns sacrifícios”, escreveu ele pouco antes de morrer, em 16 de fevereiro.
Vladimir Kara-Murza, como Navalny, tem esposa e filhos. Ele também tem residência nos EUA e passaporte britânico. Mas ele nunca hesitou em voltar para a Rússia.
“Eu acho que não tenho o direito de continuar a minha atividade política, de convocar outras pessoas a agirem, se estiver sentado em segurança em outro lugar”, me escreveu Kara-Murza em 2022, já na prisão.
Para ambos os homens, o retorno foi um ato de consciência.
Agora um está morto e o outro está trancado longe de sua família, que só teve permissão para fazer um telefonema em seis meses.
“Eu mesma não falei com ele porque não queria ficar longe das crianças”, descreveu Evgenia Kara-Murza aquela ligação.
A esposa do ativista permitiu que os três filhos tivessem cinco minutos cada.
“Eu estava lá com um cronômetro”, disse ela.
Esta semana, a viúva de Navalny gravou uma declaração em vídeo convocando seus aliados a não desistirem.
“Quero viver numa Rússia livre, quero construir uma Rússia livre”, disse Yulia Navalnaya, prometendo continuar o trabalho do marido.
Evgenia Kara-Murza ficou chocada com sua bravura. “Ela está fazendo o seu melhor para passar pelo inferno com a cabeça erguida e ela é incrível.”
Mas a esposa de Kara-Murza assumiu também um papel exigente.
Desde a sua prisão em abril de 2022, ela tem viajado pelo mundo, conversando com autoridades ocidentais para que elas ajudem o seu marido e outros presos políticos, e denunciando a guerra da Rússia contra a Ucrânia.
A invasão é mais uma prova, como ela diz, do “regime assassino” de Putin.
Quando conversamos, Evgenia estava prestes a voltar para os EUA para ver seus filhos. Ela estava em Londres fazendo um apelo aos ministros do Reino Unido para que intensifiquem os seus esforços em favor de seu marido, que é cidadão russo-britânico.
“Quero que eles sejam mais enérgicos na tentativa de tirá-lo de lá e exijam atenção médica adequada”, disse ela. “Mas fazer com que um governo se preocupe com os seus cidadãos é difícil hoje em dia.”
A perseguição de Kara-Murza continua na prisão, tal como aconteceu com Navalny.
O ativista foi mantido em confinamento solitário durante meses, sem nem mesmo acesso a pertences pessoais, como fotografias de seus filhos.
Em janeiro, ele foi transferido para uma nova prisão com condições mais duras — privado até de seus livros.
Sua saúde, prejudicada pelo envenenamento, está piorando. A pressão pela libertação de Kara-Murza intensificou-se desde a morte de Navalny.
“O dano nervoso está se espalhando para o lado direito agora. É uma condição séria que pode levar à paralisia”, me disse Evgenia Kara-Murza.
Esta semana, ela teve uma rara oportunidade de ver seu marido em um link de vídeo da prisão para um tribunal de Moscou. Ele estava tentando fazer com que o Comitê de Investigação abrisse um processo criminal por seu envenenamento.
Kara-Murza usava um uniforme preto que ficava solto no corpo, uma mudança radical em relação às jaquetas de tweed que já foram sua marca registrada.
Mas a sua determinação parecia mais firme do que nunca ao exortar os russos a não cair no desespero.
“Não temos esse direito”, disse ele aos poucos apoiantes e jornalistas autorizados a comparecer no tribunal, e insistiu que a Rússia seria livre.
“Ninguém pode impedir o futuro.”
A morte de Alexei Navalny provocou vigílias em vários países. — Foto: EPA via BBC
Evgenia Kara-Murza assistiu ao vídeo do tribunal “mil vezes”.
“Acho que ele está fazendo a coisa certa – e uma coisa ótima”, ela me disse.
“As pessoas sentem-se de coração partido e desmoralizadas e as palavras edificantes de pessoas que se recusaram a ceder à pressão e à intimidação são realmente importantes.”
“Estou muito orgulhosa de Vladimir por permanecer fiel a si mesmo, apesar deste inferno.”
Evgenia compartilha a fé do marido no futuro, bem como sua força. Mesmo agora, com tantos ativistas na prisão ou no exílio.
“O que é fundamental é permanecer um ser humano e tentar fazer tudo o que puder”, argumenta ela. “Não desistindo.”
Ela aponta para o fim da União Soviética e para os protestos em massa que sempre inspiraram o seu marido.
“Não havia nada antes – até surgir uma oportunidade para uma ação coletiva em massa no final da década de 1980 e início da década de 1990. Depois disso as pessoas saíram às ruas”, diz ela.
“Precisamos fazer todo o possível para estarmos preparados para o momento em que o regime mostrar rachaduras. Para quando tivermos essa chance.”
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