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O número chamou a atenção porque, em 2019, apenas 14 mil brasileiros haviam sido classificados dessa forma. Em 2021, foram 16 mil.
O salto registrado em 2020 foi fruto de um erro no processamento da ACS pelo Departamento do Censo dos Estados Unidos. O equívoco trouxe à luz uma desconexão entre a classificação oficial americana e a identidade dos brasileiros.
O caso foi tema de artigo publicado em abril pelo instituto de pesquisa americano Pew Research Center.
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Oficialmente, brasileiros não são considerados “hispânicos ou latinos” nos Estados Unidos.
A origem disso está numa lei aprovada em 1976 pelo Congresso Americano, que determinou a coleta de dados no país sobre um grupo étnico específico: “americanos de origem ou descendência espanhola”.
Essa legislação classificava esse grupo da seguinte maneira: “Americanos que se identificam como sendo de língua espanhola e traçam sua origem ou descendência no México, Porto Rico, Cuba, América Central e do Sul e outros países de língua espanhola.”
Dessa forma, estavam incluídos na classificação 20 países falantes de espanhol na América Latina, mas não o Brasil, falante de português, ou outros países latinos, mas não hispânicos.
Em 1977, o Escritório de Administração e Orçamento dos EUA publicou então os padrões para a coleta de dados étnicos e raciais no país com cinco classificações: indígena americano ou nativo do Alasca; asiático ou ilhéu do Pacífico; negro; hispânico; ou branco.
Pela definição de 1977, “hispânico” era considerado uma etnia, não uma raça — a raça dizia respeito a características físicas, herdadas entre gerações; enquanto a etnia dizia mais respeito à identidade cultural e linguística, nessa classificação.
Assim, na coleta de dados americana, os hispânicos podem ser de qualquer raça.
Vinte anos depois, no entanto, essa classificação foi revisada. E, em 1997, a categoria “hispânico” mudou para “hispânico ou latino”.
À época, o Escritório de Administração e Orçamento dos EUA justificou a mudança dizendo que o uso dos termos tinha variações regionais, com “hispânico” sendo mais usado no Leste do país e “latino” mais no Oeste.
“Essa mudança pode contribuir para melhores taxas de resposta”, argumentava o departamento americano.
Aí criou-se a confusão para a classificação dos brasileiros.
Porque, embora para o governo americano, a classificação “hispânico ou latino” diga respeito somente às pessoas de “cultura ou origem espanhola”, para nós, o termo “latino” remete ao fato de sermos latino-americanos e falarmos uma língua latina, o português.
Nos censos de 1980 e 1990 nos EUA, valia a autodeclaração. Então, em 1980, 18% dos brasileiros vivendo nos EUA foram contabilizados como hispânicos. Em 1990, foram 33%.
Mas, a partir de 2000, o Departamento do Censo dos EUA passou a fazer uma recategorização posterior.
Assim, quem dizia ser “hispânico ou latino”, mas, ao mesmo tempo, informava ser brasileiro, era então reclassificado como “não hispânico ou latino”.
O mesmo acontecia com pessoas de outros países não falantes de espanhol, que porventura se declarassem latinos, como filipinos, portugueses e nativos de outros países centro-americanos e caribenhos não-hispânicos, como Belize, Haiti, Jamaica, Guiana, entre outros.
Desde 2006, além do Censo decenal, os EUA passaram a contar também com a American Community Survey (ACS), uma contagem populacional anual.
Com esse esquema de reclassificação em vigor, a parcela de brasileiros quantificados como “hispânicos ou latinos” caiu para 4% ou menos em quase todas as edições da ACS.
Esse percentual residual de brasileiros contados como “hispânicos ou latinos”, mesmo nos anos em que a reclassificação funcionou adequadamente, se explica porque, quando a pessoa responde ser hispânica “de outra origem”, mas não preenche essa origem, o Departamento do Censo não faz a reclassificação.
O Pew Reserach Center consegue identificar serem brasileiros olhando para dados de país de nascimento e ancestralidade, em outra parte do formulário da ACS, o que não é considerado pela autoridade censitária americana no processo de reclassificação.
Mas por que dizemos que o percentual de brasileiros classificados como “hispânicos ou latinos” caiu para 4% ou menos em “quase” todas as edições da ACS? Porque, em 2020, foi diferente.
Durante o processo de edição dos dados da ACS de 2020, o Departamento do Censo dos EUA cometeu um erro e deixou brasileiros e outros grupos sem esse processo de reclassificação.
Com isso, o número de brasileiros que se identificaram como “hispânicos ou latinos” saltou de 14 mil em 2019, para 416 mil em 2020.
Entre os filipinos, o número passou de 44 mil para 67 mil; entre belizenhos, de 4 mil para 19 mil; e entre pessoas de países caribenhos não-hispânicos, de 36 mil para 71 mil.
Mesmo o fenômeno afetando outros grupos, o caso dos brasileiros se destaca, pois 70% da comunidade brasileira nos EUA contabilizada na ACS se declarou “hispânica ou latina”, revelou o erro de pesquisa, comparado a 41% dos belizenhos, 3% dos filipinos e 3% dos caribenhos não-hispânicos.
“O grande número de brasileiros que se identificam como hispânicos ou latinos destaca como a visão deles de sua própria identidade não necessariamente se alinha com as definições oficiais do governo”, observam Jeffrey S. Passel e Jens Manuel Krogstad, autores do estudo publicado pelo Pew Research Center.
“Também ressalta que ser hispânico ou latino significa coisas diferentes para pessoas diferentes”, acrescentam os pesquisadores.
Para o brasileiro Raphael Nishimura, diretor de amostragem do Survey Research Center na Universidade de Michigan, o caso serve para refletir sobre como pesquisas são feitas.
“Metodologicamente, isso [o erro na ACS de 2020] é bastante interessante para ilustrar um dos aspectos do erro de mensuração em pesquisas: o impacto do entendimento da pergunta por parte do respondente no que se pretende mensurar”, escreveu Nishimura, sobre o estudo do Pew Research Center.
“Nesse caso, me parece que o U.S. Census Bureau [Departamento do Censo dos EUA] deveria deixar mais claro nessa questão o que é e o que não é considerado como latino, hispânico ou origem espanhola”, defendeu o estatístico.
Segundo Nishimura, apesar da desconexão entre classificação oficial e identidade dos brasileiros revelada pelo erro de pesquisa em 2020, parece improvável que o governo americano reveja essa classificação em algum momento próximo.
Em junho de 2022, o governo anunciou uma revisão na coleta de dados sobre raça e etnia nos EUA, que poderá valer já para o Censo de 2030.
Mas essa reavaliação parece estar mais focada nas comunidades do Oriente Médio e Norte da África, que podem ganhar uma classificação própria nas pesquisas demográficas americanas, separada da categoria “branco”, observa o estatístico, que mora nos EUA há 13 anos.
Se os brasileiros fossem oficialmente considerados “hispânicos ou latinos”, seríamos o 14º maior grupo latino dos EUA, acima da Nicarágua (395 mil) e abaixo da Venezuela (619 mil).
Ainda assim, a população hispânica é tão grande nos EUA (61,1 milhões), que a comunidade brasileira contabilizada (569 mil na ACS de 2021) não chegaria a 1% do total de latinos.
“Aparentemente, apesar de sermos algo como a 14ª maior população latina nos EUA, mal contaríamos como uma casa decimal nessa população como um todo. Então não deve nem haver um incentivo para isso [mudar a classificação de ‘hispânico ou latino’ para incluir os brasileiros]. Mas quem sabe agora que temos um brasileiro no Congresso”, brinca Nishimura, fazendo referência ao congressista republicano George Santos, filho de brasileiros, envolvido em diversas polêmicas nos últimos meses.
O deputado George Santos, republicano de Nova York, deixa uma reunião da conferência do Partido Republicano na Câmara no Capitólio, em Washington, em 25 de janeiro de 2023 — Foto: Andrew Harnik/AP
A comunidade brasileira contabilizada na ACS pode, no entanto, estar subestimada. O Ministério das Relações Exteriores do Brasil calcula o número de brasileiros vivendo nos EUA em 1,9 milhão — trata-se da maior comunidade brasileira no exterior, segundo relatório de agosto de 2022 sobre o tema.
Por: G1
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