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Porto de Santos: PCC usa navios para enviar 60% da cocaína traficada do Brasil à Europa, calcula MP

today7 de abril de 2024 4

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Santos é o maior complexo portuário da América Latina e movimenta cerca de 10 mil contêineres todos os dias. Cerca de 25% de toda carga que entra por importação ou sai do Brasil via exportação passam pelo porto. Só no ano passado, houve movimentação de 173,3 milhões de toneladas de carga nos terminais, segundo a Autoridade Portuária de Santos (ASP), que administra o complexo.

Nesta circulação gigantesca de mercadorias, embarcações e pessoas, o crime organizado também tenta burlar a vigilância das autoridades para mandar cocaína ao exterior.

“Aqui em Santos, nós temos as modalidades onde eles embarcam a droga diretamente no navio, nós já percebemos também que eles colocam drogas nos contêineres, colocam drogas nos contêineres fora dos terminais, colocam drogas nos contêineres dentro dos terminais, colocam drogas nos contêineres dentro dos navios, Então, eles são muito versáteis” , comandante da Marinha Marcus André de Souza e Silva, Capitão dos Portos de São Paulo.



O promotor de Justiça Lincoln Gakiya, que investiga o crime organizado há mais de 30 anos, aponta que a facção paulista envia, apenas pelo Porto de Santos, pelo menos 4 toneladas de cocaína pura por mês para a Europa, e que apenas 10% desse volume é apreendido. O dado mais recente é de dois anos atrás, e pode ser ainda maior.

“Isso pode ter dobrado ou triplicado atualmente. Nós podemos entender que houve e que está havendo um esforço das polícias das administrações portuárias, inclusive de aeroportuárias, para impedir o tráfico. Mas por outro lado nós podemos entender que uma grande parte dessa droga dessa cocaína acabou saindo sem a pressão”, diz Gakiya.

Desde novembro, portos e aeroportos do Rio de Janeiro e em São Paulo receberam reforços das forças armadas por causa do decreto da Garantia da Lei e da Ordem, a GLO. Na prática, por seis meses, os militares têm poder de polícia no combate ao tráfico e outros crimes, e mais dinheiro para fazerem patrulhamentos e investirem em tecnologia.

➡️ A GloboNews passou a última semana no Porto de Santos para acompanhar os trabalhos da Marinha, Receita e Polícia Federal e as modalidades mais usadas pelo crime organizado para enviar cocaína ao exterior (leia mais abaixo).

Drogas em ‘navio-garagem’ e casco do navio

O jeito mais comum usado pelo crime organizado para esconder a droga é misturá-la na carga, antes de o contêiner chegar ao Porto. Em apenas uma apreensão feita em maio do ano passado, os agentes encontraram 1,1 tonelada de cocaína entre lâminas de aço que fariam baldeação no porto de Antuérpia, na Bélgica.

Com reforço nas fiscalizações nos últimos anos e o escaneamento obrigatório de escâneres para as rotas marítimas mais procuradas pelo tráfico, como Europa, África e agora Ásia, o PCC e outras organizações internacionais têm usado novas modalidades para tentar burlar a fiscalização.

Um exemplo são os “navios-garagem”, ou navios “ro-ro”. “No ano passado, algumas das maiores apreensões foram em ‘navios ro-ro’. Qual é a dificuldade? São centenas, às vezes milhares de veículos ali, subindo e descendo, e milhares de veículos que podem ser esconderijo também para cocaína e que envolve uma operação manual. Você tem dezenas ou centenas de pessoas, dirigindo veículos para lá e para cá, subindo e descendo do navio. É uma operação que realmente apresenta vulnerabilidades”, pondera Ivan da Silva Brasílico, chefe da Divisão de Vigilância da Alfândega.

“No ano passado, algumas das maiores apreensões foram em ‘navios ro-ro’. Qual é a dificuldade? São centenas, às vezes milhares de veículos ali, subindo e descendo, e milhares de veículos que podem ser esconderijo também para cocaína e que envolve uma operação manual. Você tem dezenas ou centenas de pessoas, dirigindo veículos para lá e para cá, subindo e descendo do navio. É uma operação que realmente apresenta vulnerabilidades”, pondera Ivan da Silva Brasílico, chefe da Divisão de Vigilância da Alfândega.

🛳️O que é um navio “ro-ro”: são embarcações usadas para transportar entre 4 mil e 7 mil veículos na mesma viagem – como ônibus, caminhões, tratores e carros de passeio. O desafio é maior nesse tipo de fiscalização porque os veículos não passam por escâneres, como acontece com os contêineres usados no Porto.

Em setembro do ano passado, 405 quilos de cocaína foram escondidos em um caminhão de bombeiros com destino à argentina. A Polícia Federal descobriu que um tripulante filipino havia colocado a droga no veículo. A apreensão ocorreu depois que agentes perceberam comportamento suspeito durante o carregamento do navio.

O Porto de Santos tem 16 quilômetros de cais e 7,8 milhões de metros quadrados de área. Outro ponto crítico para reprimir crimes é na saída do canal para o mar aberto, conhecida como “área de fundeio”. É uma região extensa, onde navios ficam à espera para a liberação para entrarem no canal e carregarem, ou também por onde os navios passam ainda em baixa velocidade porque estão começando a viagem.

O comandante Daniel Rubin, Capitão de Fragata da Marinha, confirma que são em situações como essas em que os traficantes se aproveitam da distância da margem para embarcar as drogas, “É crítico, em especial, porque o crime organizado, ele pode se valer também de uso de pequenas embarcações para se aproximar dessas embarcações e fazer a introdução do ilícito. E isso dificulta bastante devido às dimensões do local”.

Em março de 2024, a Receita Federal descobriu 46 kg de cocaína que seriam enviados para a Austrália por meio do Porto de Santos — Foto: Receita Federal/Divulgação

Outra forma de fazer a droga viajar pelo oceano é colocar os pacotes em uma parte oca, dentro do casco do navio – conhecida como “caixa de mar” ou “sea chest”, por onde entra água usada na refrigeração das grandes embarcações.

“Com uso de pequenas embarcações, em um determinado momento ele pode empregar mergulhadores, que pegam as drogas, acoplam no casco do navio para que essa droga seja transportada de maneira oculta”, detalha Rubin.

A operação é complexa. Os traficantes escondem a droga em um compartimento dentro do navio, que fixa abaixo do nível da água e é protegido por uma grade. Imagens exclusivas obtidas pela GloboNews mostram quando mergulhadores da Marinha encontraram 212 quilos de cocaína na “caixa de mar” na última terça-feira (2).

Os pacotes estavam embalados com plástico preto e presos com cordas, mosquetões e anilhas para não serem levados pela água durante a viagem. Foi a primeira apreensão nesta modalidade feita no Porto de Santos durante a GLO. Ninguém foi preso e a PF investiga quem colocou a droga no local.

Tecnologia e inteligência artificial

As autoridades que trabalham na repressão ao tráfico internacional de drogas no Porto de Santos negam que as abordagens a embarcações e remessas suspeitas sejam aleatórias. Marinha, PF e Receita afirmam que nos últimos anos houve investimento em tecnologia e trabalho de inteligência para vistorias mais efetivas.

“Aqui no Porto de santos a gente tem em torno de 100, cento e poucos navios hoje. Em todo de 20… 30 navios operando. A gente tem navios hoje que são imensos, cada navio é uma pequena cidade. Então mesmo que você vai fazer buscas, e ela não tiver foco, não for especializada, ela pode acabar sendo feita a busca e não encontrar algum contrabando, que está ali dentro do navio. Essas são as dificuldades hoje”, explicou Ivan da Silva Brasílico, chefe da Divisão de Vigilância e Repressão da Alfândega de Santos.

No Centro de Operações de Vigilância (COV) da Alfândega, a Receita tem acesso a cinco mil câmeras de segurança na área do Porto. São 24 horas por dia de monitoramento, que se apoiam no olhar treinado de agentes e em cruzamento de informações e dados para elaborar modelos de risco e apontar barcos e contêineres que possam ser usados pelo crime.

“A gente já tem hoje mais de 7 milhões de imagens nesse banco de dados e nformações estruturadas, o que está declarado, o que não estava; a gente tem também o registro das ocorrências, então, tudo que é ocorrência que aconteceu de contrabando e descaminho, seja na importação seja na exportação, seja tráfico de drogas, seja falsa declaração de conteúdo, com isso, aí a gente tem um banco de dados que pode treinar redes neurais especializadas”, diz Brasílico.

Em um complexo com a circulação de milhares de contêineres por dia, quem vê de longe os navios cargueiros carregados pode ter a impressão de que achar droga escondida é achar agulha no palheiro. Os investigadores, no entanto, dizem que não é um trabalho de sorte.

“Eu acho que não daria para falar que é achar agulha no palheiro. Quando você trabalha com inteligência, essa agulha fica mais fácil se você souber onde ela está. Mas evidentemente que é é um porto muito grande, é o trabalho difícil de ser feito, mas com a presença né, você inibe muitas ações criminosas”, completa o chefe da PF em Santos.

Queda nas apreensões: menos tráfico ou novas rotas?

Dados da Receita Federal indicam que as apreensões de drogas têm diminuído na última década. Em 2014, foram 435 quilos apreendidos em três ocorrências. Ano a ano elas foram aumentando, até o pico em 2019, com 27 toneladas apreendidas em 56 ações. Desde então, os números voltaram a cair. E em 2023, pouco mais de 7 toneladas foram localizadas em 26 apreensões.

Apreensão de cocaína no Porto de Santos (em kg)

Fonte: Receita Federal, Alfândega de Santos

O delegado-chefe da Polícia Federal em Santos, Daniel Coraça, entende que a queda é uma tendência e que o tráfico de drogas pelo Porto de Santos tem diminuído. “É um desejo [que o tráfico diminua] e todas as instituições que estão no Porto trabalham para isso”, disse.

O chefe a Divisão de Vigilância e Repressão da Alfândega de Santos, Ivan da Silva Brasílico, explica que a Organização das Nações Unidas (ONU) divulga relatórios anuais sobre a circulação de drogas no mundo e apontou que o tráfico internacional pelo Brasil se intensificou nos últimos 10 anos e que já há uma diminuição do fluxo por Santos.

“A gente teve um pico de apreensões há cinco anos. Desde então, ele tem caído. Então, houve essa detecção, dessa necessidade em torno de 10, 12 anos atrás e começou-se a aumentar a segurança, inclusive com a implantação dos escâneres em 2013 e 2014. Naturalmente, foram ocorrendo as apreensões e hoje a gente já tem evidências de que, aqui no Brasil, está diminuindo essa exportação de cocaína.”

Brasílico também pontua que o perfil da droga exportada também mudou. O que antes eram remessas de até 3 toneladas, hoje não costumam passar de 400 quilos em um envio. Ele também lembra uma apreensão feita no mês passado de 46 quilos de cocaína que iriam para a Austrália.

“A gente acha que a comunidade do Porto de Santos, junto com a Receita Federal, junto com a Polícia Federal e outros órgãos de segurança, que estamos, sim, conseguindo melhorar a segurança aqui e impedir que seja esse importante fluxo do comércio de drogas e que nossa economia não seja muito prejudicada pela infiltração da criminalidade”, completa.

Para a Polícia Federal, quando há um sufocamento com fiscalização, pode ocorrer a redução do uso do terminal para o tráfico, mas também uma mudança das rotas e meios de exportar.

“É um raciocínio lógico que os traficantes estão evitando esse porto por estar mais muito mais fiscalizado. Evidentemente que o tráfico internacional é muito dinâmico. E assim que uma modalidade começa a ter muita estatística de apreensão, eles mudam. Então, é essa eterna luta, né? Esse jogo da polícia contra os traficantes”, avalia o chefe da PF em Santos, Daniel Coraça.

O promotor de Justiça do MP-SP Lincoln Gakiya, analisa que o consumo de cocaína não diminuiu nos últimos anos e defende que o crime organizado procura outros meios de mandar a droga até o mercado consumidor.

“Eu não imagino que diminuiu de 2019 para cá o consumo de cocaína. Por exemplo, na Europa, as estimativas da ONU são de que a partir da pandemia o consumo aumentou em 25%. Então a gente precisa entender que é muito bom termos bastante droga apreendida, mas a grande parte da droga, ela acaba sendo escoada sem qualquer apreensão”.

Gakiya avalia que a presença de militares nos terminais não resolve um problema antigo do tráfico internacional de drogas. Para ele, o debate precisa ser ampliado, com foco em políticas públicas de segurança pública permanentes.

“Claro que há uma sensação de melhora pela presença das tropas nesses portos e aeroportos, inibe com certeza algum tipo de tráfico naquele local, mas é uma situação evidentemente temporária. Com a saída das tropas é preciso que se dê condições pra q as forças de segurança assumam função. Não pode, simplesmente haver uma desocupação dessa fiscalização, por exemplo, por parte da marinha, nos portos, e a situação voltar a ser como antes. E é isso que nos preocupa”, disse.

O governo federal ainda não decidiu se irá prorrogar a GLO nos portos e aeroportos depois de maio. Em nota, o Ministério da Justiça não informou os valores gastos com os reforços dos militares nos portos e aeroportos com o decreto porque as ações ainda estão em andamento e que os custos totais vao ser divulgados após a conclusão dos trabalhos.

Em nota, a pasta afirmou que, até quarta-feira (4), 115 toneladas de drogas tinham sido apreendidas, além de 252 armas e 10 mil munições, e que também foram feitas 268 mil fiscalizações em veículos e embarcações e cerca de 570 mil inspeções em bagagens e cargas. O total de ativos apreendidos ou retidos, entre imóveis, veículos, joias, embarcações e aeronaves, ultrapassa o valor de R$ 83 milhões, ainda segundo o Ministério da Justiça.




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Por: G1

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