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Sofonisba Anguissola, a pintora renascentista admirada por Michelangelo e ‘ofuscada’ na História

today28 de fevereiro de 2023 13

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Mas, com exceção de apreciadores e críticos de arte, ela é hoje para muitos apenas um nome desconhecido.

De talento prodigioso, Sofonisba impressionou Michelangelo aos 20 e poucos anos, se tornando uma artista famosa e viajada que conheceu e pintou grandes personalidades até sua morte.

No entanto, sua popularidade não se compara à de colegas como Da Vinci, Rafael ou Caravaggio.



Ela nasceu em 1532 na região de Cremona, na Itália, em uma família nobre. Seu pai, Amilcare Anguissola, teve a atitude incomum na época de transformá-la numa pintora profissional. Ele incentivou não apenas o filho Asdrubale, como também todas as filhas mulheres a obter uma educação de alto nível e a desenvolver habilidades artísticas.

Com o tempo, o talento de Sofonisba logo se tornou óbvio demais para ser ignorado. Aos 14 anos, ela passou a ter aulas com o pintor italiano Bernardino Campi.

Um de seus quadros mais famosos é um retrato de suas irmãs jogando xadrez, considerado um jogo tipicamente masculino na época — bastante associado à ideia da racionalidade —, no qual as jovens dominam a partida.

Ou seja, Sofonisba vivia em uma família atípica de mulheres que sabiam usar muito bem habilidades consideradas, até então, masculinas.

Segundo Claudinei Cássio de Rezende, professor de história da arte na PUC-SP e pós-doutor em história moderna, era muito difícil haver uma mulher que não fosse de uma classe abastada sendo artista, “porque a questão da arte, antes de mais nada, era uma questão de classe”.

‘A partida de xadrez’ (1555), um dos quadros mais famosos de Sofonisba — Foto: NATIONAL MUSEUM IN POZNAN, POLAND

Sofonisba também começou a se corresponder com Michelangelo. Após ver seu esboço do retrato de uma menina rindo, ele pediu a ela que retratasse um menino chorando — uma vez que, para ele, era mais fácil desenhar pessoas sorridentes. A pintora enviou então um esboço em carvão de seu irmão aos prantos sendo mordido por um caranguejo.

Impressionado, Michelangelo reconheceu seu imenso talento e compartilhou seus esboços com ela, oferecendo conselhos e uma espécie de tutoria informal.

Acredita-se que essa obra em carvão de Sofonisba tenha inspirado, anos depois, a pintura Rapaz mordido por um lagarto, de Caravaggio.

‘Menino mordido por um caranguejo’ (1554) , de Sofonisba — Foto: DOMÍNIO PÚBLICO

Não demorou para que ela ganhasse fama internacional, se tornando a primeira artista mulher de que se tem registro na história a realizar o feito.

De acordo com Rezende, Sofonisba pertencia a um grupo muito particular: o de mulheres artistas.

“Isso é uma coisa muito rara, especialmente no Renascimento e no mundo Barroco, ela ser a primeira mulher — ou pelo menos que a gente tenha consciência — que tenha um relato documentado que chegou a ser uma pessoa célebre.”

‘Rapaz mordido por um lagarto’ (1593-1594), de Caravaggio — Foto: FONDAZIONE ROBERTO LONGHI

Em 1569, ela chamou a atenção do governador espanhol de Milão, o duque de Sessa. E acabou sendo convidada para ser dama de companhia da rainha da Espanha durante o reinado de Filipe 2º — quando atuou, na verdade, como retratista da família real. O Papa Pio 4º chegou, inclusive, a escrever para ela pedindo um retrato da rainha da Espanha.

Para Rezende, o fato de Sofonisba ter ganhado prestígio também se reflete muito no tempo em que ela viveu. É naquela época que o status social do artista passa a prevalecer.

“O que nós tínhamos até então eram artífices, portanto a arte era vista como mero artesanato. A arte passa a significar a arte como a gente entende hoje a partir deste momento”, explica.

Todavia, o fato de Sofonisba ser uma pintora “não-oficial” da corte, e raramente assinar suas obras, fez com que muitos de seus trabalhos fossem atribuídos a outro artistas — especialmente ao pintor oficial da corte, Alonso Sánchez Coello.

Após sua temporada na corte espanhola, ela voltou para a Itália, onde viveu até sua morte, em 1625, aos 93 anos. Pouco antes, ela deixaria de ser aprendiz e se tornaria mestre, orientando Anthony van Dyck, que viria a ser o principal pintor da corte na Inglaterra.

Seu segundo marido mandou gravar estas palavras em seu túmulo, na Igreja de San Giorgio dei Genovesi, em Palermo, na Itália: “Para Sofonisba, uma das mulheres ilustres do mundo por sua beleza e por suas extraordinárias habilidades naturais, tão distinta em retratar a imagem humana que ninguém de seu tempo poderia igualá-la”.

Hoje, cada vez mais obras de sua autoria estão sendo identificadas, garantindo o legado desta mulher notável.

Sofonisba Anguissola, por Anthony van Dyck (1624) — Foto: NATIONAL TRUST PHOTOGRAPHIC LIBRARY/BRIDGEMAN

Sofonisba Anguissola foi uma das primeiras mulheres a romper um círculo que até então era dominado por homens. Mas como ela conseguiu isso?

A resposta está na própria pergunta: com a ajuda de homens. É o que afirma a socióloga Isabelle Anchieta, autora da trilogia Imagens da Mulher no Ocidente Moderno.

“Ela tem 12 autorretratos até hoje reconhecidos, talvez a única mulher que tenha usado o autorretrato como uma estratégia de autopromoção. Quem vai usar isso, só no século 20, é Frida Kahlo. O pai de Sofonisba vai então enviar esses retratos para várias cortes e figuras importantes. Não é só o talento, existe uma armação social interessante, uma estratégia de marketing que foi feita não só por ela, mas também pelo próprio pai”, analisa Isabelle.

Em muitos casos, como aconteceu também com a artista Lavinia Fontana, os pais foram fundamentais para romper as barreiras de gênero e incentivar as filhas mulheres.

Bernardino Campi pintando Sofonisba Anguissola (1559) — Foto: SPANNOCCHI COLLECTION E PINACOTECA NAZIONALE DI SIENA

Mas, segundo a socióloga, isso não pode ser usado de forma alguma para menosprezar o trabalho dessas artistas.

“Hoje temos o entendimento de que elas não estavam subordinadas aos pais, mas era o meio mais eficaz e estratégico para elas conseguirem entrar no mercado de arte. Isso não diminui o talento delas, ao contrário, mostra astúcia.”

Sofonisba foi pioneira em vários aspectos — o fato de ter sido aprendiz de pintores locais também abriu um precedente para que as mulheres pudessem ser aceitas como estudantes de arte.

E, embora quase todos os ícones da Renascença sejam homens, ela viveu até os 93 anos com o status social de uma artista, de uma celebridade e de uma pessoa grandiosa, conforme explica Rezende.

Mas por que então seu nome não é citado da mesma forma que o de seus colegas do sexo masculino?

De acordo com a socióloga Isabelle Anchieta, “a história das mulheres é feita mais de apagamentos do que de ausências”. De fato, pelas limitações históricas, o número de mulheres artistas é menor que o de homens, mas isso não significa que elas não existiram.

“O que está acontecendo agora é uma recuperação desses quadros, de uma recolocação das mulheres na história, em todos os sentidos. Estamos redescobrindo-as. E acho que isso diz respeito às mulheres em todos os mercados, inclusive o artístico”, avalia.

Autorretrato de Sofonisba Anguissola que ficou em exposição no MASP — Foto: PASCAL FALIGOT

Sofonisba Anguissola abriu muitas portas para outras artistas, incluindo Lavinia Fontana, que, em seu autorretrato de 1577, se inspirou nos modelos da colega para ressaltar o mesmo status de mulher culta e artista.

Entre 2019 e 2020, o Museu do Prado, na Espanha, realizou uma exposição conjunta, pela primeira vez, dessas duas artistas que marcaram a Renascença.

Na época, o diretor do Prado, Miguel Falomir, descreveu a escassez de obras femininas no museu como uma injustiça que a instituição não está medindo esforços para corrigir.

Já o Museu de Arte de São Paulo Assis Chateaubriand (MASP) abriu em 2019 a exposição História das mulheres, histórias feministas: antologia. Entre as obras presentes, estava um autorretrato de Sofonisba.




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Por: G1

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