Ainda assim, o veículo pôde conduzir o passeio turístico no Oceano Atlântico sem qualquer barreira legal.
Em comum, as duas embarcações tinham o fato de que navegavam em águas internacionais, um espaço autônomo em alto-mar que preenche cerca de 71% dos oceanos do planeta, de acordo com a Convenção da ONU sobre o Direito do Mar.
As águas internacionais começam a partir de 200 milhas náuticas – cerca de 370 quilômetros – da costa de cada país. Nestas áreas, os Estados não têm soberania nacional nem comercial para aplicar suas legislações.
Na prática, qualquer pessoa pode navegar águas internacionais para qualquer fim sem ter de informar qualquer país ou instituição.
Foi desta maneira que o Titan, da empresa norte-americana OceanGate, pode realizar sem qualquer empecilho legal suas expedições, mesmo não tendo qualquer aval para funcionar.
Isso porque os destroços do Titanic – originalmente o destino do submersível – estão submersos em águas internacionais, a cerca de 600 quilômetros da costa do Canadá.
O artigo 20 da Convenção da ONU sobre o Direito do Mar regula o trânsito de submarinos, porém apenas nas áreas em que há soberania de países.
Segundo o artigo, os veículos submersíveis devem navegar sempre à superfície e com a bandeira do país de origem em mares territoriais; o requisito não se estende a águas internacionais.
A convenção – pela qual se guiam todos os países do mundo – determina ainda os princípios de liberdade de navegação, pesca, investigação científica, sobrevoo, instalação de cabos e construção de ilhas artificiais em alto-mar.
A única exigência é que as atividades sejam pacíficas – o que, a rigor, era o caso do Titan.
E este foi um dos principais pontos de discórdia no caso do naufrágio de um barco pesqueiro com imigrantes perto da Grécia e que, na semana passada, tentava chegar à Europa.
Barco pesqueiro superlotado antes de naufragar perto da costa da Grécia, em junho de 2023. — Foto: Guarda Costeira da Grécia
A Guarda Costeira grega, que vem sendo acusada de negligência no caso, alegou que não poderia resgatar o barco porque ele estava em alto-mar – fora de águas gregas – e não havia qualquer crime sendo cometido na embarcação.
Mas organizações não-governamentais (ONGs) acusam o governo grego de saber que, na embarcação, havia seres humanos traficados, o que constitui um crime. Neste caso, os policiais poderiam intervir, resgatar os passageiros do barco e levá-los a terra firme, em território grego.
Em vez disso, a embarcação da Guarda Costeira deu meia-volta e retornou à sua base. Horas depois, o barco com imigrantes naufragou, matando, segundo a agência de refugiados da ONU (Acnur), centenas deles.
Desde a crise migratória de 2015, quando mais de um milhão de pessoas chegaram à Europa por mar – impulsionados, principalmente, pela guerra na Síria –, ilhas da Grécia passaram a ficar superlotadas, e Atenas vem cobrando da União Europeia mais apoio para gerenciar a chegada de migrantes ao continente através de suas fronteiras.
A Frontex, a polícia de fronteiras do bloco europeu, chegou a instalar espécies de escritórios de triagem em ilhas gregas para tentar desafogar o enorme fluxo de pessoas.
Mas, também neste caso, um entrave legal impede que Bruxelas faça mais do que isso: a União Europeia, até hoje, não tem uma política migratória comum.
Há diversas denúncias, inclusive por parte da Acnur, de que, para driblar o que classificam como falta de apoio, governos locais gregos e italianos fazem acordos velados com as guardas costeiras da Líbia e da Turquia para que barcos com migrantes sejam resgatados por essas polícias, mesmo que em águas internacionais.
Enquanto a UE tenta aumentar a regulação para evitar brechas que provoquem tragédias como essa, no caso do submarino, é pouco provável que o episódio incite governos para tentar mudanças legislativas, na avaliação do professor canadense de direito e estudos do turismo de aventura Jon Heshka, da Universidade Thompson Rivers.
“Não acho que, mesmo com esse episódio, essa regulação seja uma prioridade alta. Acho que governos só regularão atividades de ricos e ultra ricos quando houver um interesse público maior. Não acho que este seja ainda o momento”, afirmou ao g1.
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