Imagens obtidas pela reportagem mostram a gravação da aula em que o professor chamou Leiriane Cordeiro Vieira de ‘grosseira nordestina’. Segundo ela, o docente ficou irritado após ela perguntar sobre algumas faltas que ela teve na disciplina dele (veja o vídeo acima).
Sobre a condenação, a aluna afirmou que foi acolhida somente pela juíza, pois nenhuma providência foi tomada por parte da Fatec. “A instituição não fez nada, os dirigentes não fizeram nada, os professores, ninguém veio falar comigo”.
“Eu esperava que primeiro ele tenha ciência do que ele falou para mim, o que aquilo poderia me causar, que tomasse ciência de que aquilo não é uma coisa banal, que ele acaba afetando a pessoa”, afirmou.
Para ela, o professor teve a intenção de dizer que ela é inferior aos demais por ser nordestina. “Eu queria que ele tivesse caído em si, pelo menos que fingisse, sabe? Me procurasse e pedisse desculpa”.
A estudante pontuou que o ocorrido não acarretou nenhuma consequência na vida do professor. “A vida dele continua do mesmo jeito. Ele continua sendo professor, continua lá muito bem. Ele acha que fez certo”.
“Parece que foi um incômodo para ele, mas que ele não tem receio de fazer isso de novo. Ele não sofreu consequência nenhuma, pelo contrário, quem está sofrendo a consequência sou eu, desde o dia que aconteceu tudo isso até hoje. Seja na Fatec, seja comigo, seja em uma reportagem que saiu”, disse.
O advogado Fabio Soares destacou que o professor acredita piamente que houve um equívoco por parte de alguns juízes em relação a condenação e que seja apenas um ‘mimimi’ da aluna. “A gente tem visto muito na internet, nas redes sociais, inclusive nesse período agora que nós passamos, é que muitas pessoas pensam da mesma forma”.
“Está tão em alta essa questão de colocar o nordestino no lugar onde seja pejorativo, onde o nordestino não sabe pensar, onde a gente não tem inteligência, né? E é uma coisa que assim é óbvio que eu não tenho o lugar de fala em relação ao racismo, mas preconceito é preconceito”, disse Leiriane.
Soares considera que a condenação, após a audiência que durou em torno de quatro horas, foi muito bem redigida. “Mas não vejo fundamentação jurídica para alterar essa decisão, obviamente que é uma opinião minha dentro daquilo que a gente vê”.
“A parte mais afetada nisso tudo sou eu. Simplesmente só queria fazer uma faculdade e hoje venho sendo prejudicada porque, primeiro, fazia curso presencial e eu tive que mudar para o EAD porque não me sentia confortável com o professor”, pontuou a aluna.
Leiriane destacou que a mudança para o EAD com objetivo de não encontrar mais o professor não foi a solução, pois no último sábado, durante a aplicação de uma prova, encontrou o mesmo, e como o nome dela não estava na lista, precisou falar com o docente, o que, para ela, foi uma situação constrangedora.
Professor do curso de gestão empresarial na Fatec e o Centro Paula Souza, de Santos, foram indenizados a pagar R$ 15 mil por danos morais — Foto: Rogério Soares/A Tribuna
Em nota, o Centro Paula Souza informou que o professor é orientador do Polo EAD Gestão Empresarial desde 2015 e, portanto, não houve promoção recente, e que a instituição está apurando os fatos visando a abertura de procedimento administrativo disciplinar.
O Centro Paula Souza ressaltou que não compactua com nenhuma forma de discriminação, desrespeito e assédio e que, por meio da Comissão Permanente de Orientação e Prevenção contra o Assédio Moral e Sexual (Copams), a instituição promove diversas ações, como capacitação de docentes, palestras e divulgação de informações visando a orientação e prevenção de atitudes contrárias aos direitos civis.
Na sentença de 29 de junho, a juíza Carmen Silvia Hernández Quintana Kammer de Lima, relembrou a audiência em que questionou ao professor sobre o sentido que ele quis empregar ao usar o termo e ele respondeu que “ao chamar a autora de nordestina nesse contexto, quis dizer que é pessoa grossa. Conhece muito bem o Nordeste, sabe que eles têm costumes diferentes daqueles do Sul. Ou seja, são pessoas grosseira que não conseguem conversar”.
A juíza também destacou que o diretor entendeu “ser desnecessário buscar mais informações sobre esse incidente porque seria uma irracionalidade, e esse é um incidente que destoa da rotina da Fatec”.
Para Carmen, evidentemente, o termo ‘nordestina’ empregado no contexto em questão, não teve a intenção de identificar a origem da aluna, mas associá-la a algo negativo. “Com nítido caráter discriminatório. Não houve por parte da instituição de ensino providências efetivas no sentido de apurar os fatos”.
O professor recorreu da decisão, mas foi negado o provimento por votação unânime. No acórdão, o juiz relator Orlando Gonçalves de Castro Neto afirmou que não há discussão com relação às expressões utilizadas pelo professor para se referir à aluna. “Ambas em tom pejorativo, consoante se provou pelo áudio da aula”.
“É incabível alegar liberdade de cátedra para ofender seus alunos, como pretende o professor em suas razões recursais, notadamente quando se utilizou do termo ‘nordestina’ a fim de ofender a aluna, discriminando-a, em claro ato de xenofobia, que, além de ilícito cível, pode desbordar para a esfera penal no âmbito dos crimes contra honra”, defendeu Neto ao negar o recurso inominado em 19 de outubro.
Aluna chamada de ‘grosseira nordestina’ por professor em aula, em Santos, acredita que ele teve intenção de inferiorizá-la — Foto: g1 Santos
Um professor e o Centro Estadual de Educação Tecnológica Paula Souza foram condenados, em 1ª instância, a pagar R$ 15 mil a uma aluna recifense por xenofobia. Todas as partes recorreram da condenação por dano moral. De acordo com a sentença da juíza Carmen Sílvia Hernández Quintana Kammer de Lima, a aluna entrou com a ação indenizatória contando que era representante de classe no curso de gestão empresarial no Centro Paula Souza.
Em 6 de abril de 2021, durante aula on-line, a aluna questionou o professor sobre a possibilidade de não serem marcadas faltas aos alunos que tivessem dificuldade de acompanhar as aulas durante o período de pandemia.
Segundo a decisão, o professor comentou que ela era uma pessoa “grosseira (…) nordestina mesmo, não dá pra conversar muito com ela (…)”, até ser alertado de que o microfone do aparelho permanecia aberto e que a aula continuava sendo gravada.
Ela encaminhou, em 8 de abril, e-mail para a ouvidoria da instituição. De acordo com os autos, também foi encaminhado a ela um áudio do coordenador do curso com pedidos de desculpas pelo caso, mas que nada teria sido feito.
Na Justiça, o professor alegou que “todo diálogo proferido em sala de aula é protegido pela garantia de liberdade de expressão”, e que o professor representa autoridade máxima durante o período em que a aula é ministrada.
Ainda de acordo com o docente, ele está recorrendo do processo, pois, em Santos, ‘ele caiu nas mãos de uns juízes que estão simplesmente acreditando no que a aluna falou e nos pedaços de gravação que ela falou e nos pedaços de gravação que ela anexou’.
“Agora, descobri que pelo menos um professor da Fatec, que sempre quis me desmoralizar na Instituição, está orientando a aluna e colocando a notícia em rede social”, contou.
O g1 entrou em contato com a instituição, que informou, por meio nota, que “o processo está sendo conduzido pela Procuradoria Geral do Estado de São Paulo”. Porém, a Procuradoria afirmou que “ainda não foi intimada da decisão”. Já a aluna respondeu que, por enquanto, não irá se pronunciar.
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