Elaborada com 47 folhas de louro feitas de ouro, 49 pérolas barrocas, 9 diamantes grandes e 274 diamantes menores, ela era conhecida como a grinalda cívica. É considerada uma “joia esplêndida”, que poderia muito bem adornar a cabeça de grandes imperadores, como Júlio César ou Napoleão Bonaparte.
Em junho de 1825, Simón Bolívar (1783-1830) estava no auge da sua glória. O Libertador era presidente da então chamada Grã-Colômbia – uma república formada pelo território hoje ocupado pela Colômbia, Venezuela, Equador e Panamá. E, poucos meses antes, ele havia também consolidado a independência do Peru.
Por isso, a chegada de Simón Bolívar a Cusco foi uma espécie de “marcha triunfal”.
“Ao longo do caminho até a capital, as populações mais importantes e os casarios humildes competiam nas suas demonstrações de alegria ao ver seu Libertador, mas nada pode ser comparado com a magnificência apresentada pela antiga capital dos incas, quando [Bolívar] nela entrou em 25 de junho”, contou, em suas memórias, o diplomata e militar irlandês Daniel Florencio O’Leary (1800-1854).
“Podia-se dizer que a cidade havia sofrido muito pouco ao longo da revolução, tamanha era a riqueza ostentada naquele dia”, prossegue O’Leary, que foi amigo pessoal de Bolívar e participou das guerras da independência na América espanhola.
Foi em Cusco que o Libertador recebeu a coroa cívica preparada em sua honra. Mas ele não a conservou para si.
Na verdade, Bolívar a entregou ao marechal Antonio José de Sucre (1795-1830), que foi comandante das forças militares na decisiva batalha de Ayacucho, no Peru. Sucre, por sua vez, presenteou a coroa ao Congresso Nacional da Colômbia.
Aquela não foi a primeira vez em que Bolívar se recusou a usar uma coroa. Anos antes, ele havia tomado a mesma decisão com uma coroa de louros entregue a ele na capital colombiana, Bogotá, em 1819.
Essas coroas, na verdade, não eram investidas de nenhum poder. Mas houve diversas tentativas nomear Bolívar como rei – e até uma proposta concreta de torná-lo presidente vitalício, em 1829. Após a sua morte, seria estabelecida na Grã-Colômbia uma monarquia constitucional, governada por um príncipe europeu.
Mas no que consistia essa proposta?
O então ministro britânico do Exterior Lorde Aberdeen afirmou que seu país apoiaria a monarquia na Grã-Colômbia, mas não aceitaria que o país sul-americano tivesse um rei francês — Foto: GETTY IMAGES
Em 3 de setembro de 1829, Bolívar estava no sul do continente e o poder na Grã-Colômbia estava a cargo do Conselho de Governo.
Este Conselho autorizou o Ministério de Relações Exteriores a realizar negociações diplomáticas secretas com a Inglaterra e a França, manifestando “a necessidade da Colômbia de organizar-se definitivamente para alterar sua forma de governo, decretando uma monarquia constitucional” – e saber se, quando chegasse a hora, aqueles países estariam dispostos a dar o seu consentimento.
A proposta contemplava a ideia de que “o Libertador governasse enquanto vivesse com este título e, depois da sua morte, começaria a reinar o príncipe que fosse escolhido, de alguma das dinastias europeias”.
Além disso, prevendo o alarido ou a oposição que esta mudança poderia gerar nos Estados Unidos e em outras repúblicas americanas, o Conselho também consultava sobre a possibilidade de contar com “a poderosa e eficaz intervenção da Grã-Bretanha e da França, de forma que a Colômbia não se perturbasse, nem se inquietasse, de nenhuma forma, por ter usado o direito inalienável que a ela assistia, de estabelecer a forma de governo que melhor lhe conviesse.”
O Conselho de Ministros também instruiu seus representantes diplomáticos a explicar ao governo da França, sem assumir nenhum compromisso, que “no caso de ser escolhido algum ramo das casas reais europeias, era a opinião do Conselho de que conviria à Colômbia escolher um príncipe francês, que seria da nossa mesma religião e, em cujo favor, convergiriam muitas outras razões de política e de conveniência”.
Assim, no dia 8 de setembro de 1829, foram enviadas instruções aos representantes diplomáticos da Grã-Colômbia na França e no Reino Unido – respectivamente, Leandro Palacios (1782-1836) e José Fernández Madrid (1789-1830).
As negociações acabaram sendo totalmente infrutíferas e, mais tarde, contraproducentes.
Devido aos seus laços de sangue com a Casa de Bourbon, na Espanha, a realeza francesa rejeitou o pedido. Já no Reino Unido, a ideia de instauração de uma monarquia na Colômbia teve melhor recepção, mas outros motivos levaram à mesma recusa.
Fernández Madrid enviou para Bogotá um relatório das suas conversas com o então ministro britânico de Relações Exteriores, Lorde Aberdeen (1784-1860). No relatório, ele destacou:
“O Governo de Sua Majestade, longe de se opor a que se estabeleça na Colômbia uma ordem política semelhante à deste país, comemoraria a realização desta reforma, convencido de que ela irá contribuir para a ordem e, consequentemente, a prosperidade dessa parte da América. Mas [o ministro] repetia que o governo inglês não permitiria que um príncipe da família da França cruzasse o Atlântico para ser coroado no Novo Mundo.”
Além de terminarem em fracasso, as negociações tiveram repercussões negativas para o governo da Grã-Colômbia. Afinal, apesar de terem sido realizadas de forma reservada, elas acabaram chegando ao conhecimento público.
“O próprio projeto de uma monarquia que substituísse os esforços liberais e republicanos dos libertadores soou como grito de alerta em todas as cidades e aldeias, sacudindo em pânico a epiderme colombiana”, escreveu o escritor e diplomata colombiano Diego Uribe Vargas (1931-2022), no seu livro Colombia y su Diplomacia Secreta (“A Colômbia e sua diplomacia secreta”, em tradução livre).
“Neste caso, a diplomacia secreta havia sido utilizada contra a República e a própria tentativa de alterar clandestinamente a estrutura constitucional com ajuda estrangeira representava um ato passível de punição, não apenas à luz dos costumes democráticos, mas como traição à própria ação emancipadora”, prossegue o escritor.
Por isso, a iniciativa acabaria por ser um dos últimos pregos no caixão da Grã-Colômbia.
Nas palavras do historiador venezuelano Carraciolo Parra Pérez, “o resultado mais grave e irremediável da operação em favor da monarquia foi oferecer aos nacionalistas venezuelanos mais do que um pretexto, mas uma razão válida para separar seu país da União Colombiana, já que seus governantes em Bogotá perderam a esperança na República.”
Agustín de Iturbide (1783-1824) autoproclamou-se imperador do México, mas reinou apenas por alguns meses — Foto: GETTY IMAGES
Mas como é possível, depois de quase duas décadas de guerra, sangue e destruição para conseguir a independência da Espanha, que ainda houvesse pessoas na Grã-Colômbia propondo seriamente a substituição da república por uma monarquia, colocando no governo um membro da realeza europeia?
Na verdade, as negociações de 1829 foram a iniciativa mais séria de criar a monarquia, mas esta ideia já havia sido apresentada em outras ocasiões. E, de fato, era uma ideia persistente no continente americano.
“As tentativas monárquicas na América Latina não foram poucas. Em praticamente todos os países da região, houve este tipo de iniciativa”, declarou à BBC News Mundo (o serviço em espanhol da BBC) Juan Carlos Morales Manzur, presidente da Academia de História do Estado de Zulia, na Venezuela.
“É preciso recordar a tentativa que ocorreu na Argentina, para instaurar uma monarquia com a princesa Carlota Joaquina de Bourbon, uma das irmãs de Fernando 7º [da Espanha]; as ideias de San Martín de estabelecer uma monarquia no Peru; e a iniciativa do presidente [Juan José] Flores que, já fora do poder, tentou constituir uma monarquia no Equador, que seria dirigida por um filho da rainha que governava a Espanha, Maria Cristina de Bourbon”, explica o historiador.
“Já o México teve uma monarquia e dois impérios. No Haiti, também houve três impérios e o Brasil teve uma monarquia estável por muito tempo. Por isso, pensar em uma monarquia na Colômbia não é um fato isolado”, conclui Morales Manzur.
O historiador Tomás Straka, da Universidade Católica Andrés Bello de Caracas e membro da Academia Nacional de História da Venezuela, indica que “a independência não é necessariamente antimonárquica”.
Ele explica que, embora a região litorânea da Venezuela e da Colômbia tivesse posições bastante radicais e, desde o primeiro momento, tenha se imaginado que a independência da Espanha causaria a transformação global da sociedade, a maior parte da América espanhola, incluindo a maioria dos venezuelanos, por muito tempo, não apoiou a ideia da república.
“Isso explica, em grande parte, por que a guerra durou 10 anos, pois houve conotações de guerra civil na maior parte do território”, explica o historiador.
“Houve quem pensasse que, se o Reino da Espanha não era mais viável, seria necessário estabelecer-se e tornar-se independente, como um filho que sai de casa – esta foi a imagem defendida por muitos – e procurar outro rei. A existência de problemas na monarquia espanhola, para muitos, não significava que a monarquia não pudesse funcionar”, segundo Straka.
O general José Antonio Páez foi um dos impulsionadores da separação da Venezuela da Grã-Colômbia — Foto: GETTY IMAGES
Mas a iniciativa de 1829 não teve origem na possível simpatia dos membros do Conselho do Governo da Grã-Colômbia pelo sistema monárquico, mas na grave crise interna vivida no país, cada vez mais próximo da sua dissolução.
Morales Manzur explica que, naquela época, a Grã-Colômbia vivia em uma situação política complexa.
“Todas as repúblicas latino-americanas haviam fracassado”, explica ele. “Quando se conseguiu a independência, o que houve foi um clima de confronto, de pobreza e de instabilidade política em todos aqueles países. Por isso, alguns pensaram na ideia da monarquia, considerando que ela poderia trazer estabilidade.”
Já Tomás Straka afirma que, em 1829, a situação política da Grã-Colômbia estava muito deteriorada.
“Havia dissensões na Nova Granada [hoje, Colômbia e Panamá]. A Venezuela, declaradamente rebelde, organizava assembleias para separar-se da Colômbia e, pouco antes, havia ocorrido uma rebelião em Guaiaquil [Equador], que conseguiu ser resolvida no último minuto”, explica o historiador. “Além disso, havia a guerra com o Peru. Por isso, procurando uma solução desesperada, apresentou-se aquilo [a proposta da monarquia].”
A iniciativa buscava conseguir uma fórmula que permitisse dar continuidade à própria existência da Grã-Colômbia, como explicou o então secretário do Interior do Conselho de Governo do país, José Manuel Restrepo (1781-1863).
“Muitos dos homens experientes e influentes nos negócios, residentes em Bogotá, ao verificar o estado alarmante de subsistência da União Colombiana; ao considerar que o único vínculo que conectava as diferentes partes desta bela República era Bolívar, seu fundador, cujas enfermidades e velhice precoce não ofereciam garantias de que fosse viver o bastante para completar a obra iniciada; e ao considerar, por fim, a forte antipatia infelizmente existente entre granadinos e venezuelanos, e a declarada contra ambos pelos filhos do Equador, naturalmente observavam com ansiedade o futuro da Colômbia, que não conseguiam considerar que fosse duradouro”, escreveu Restrepo.
O então secretário assinalou que estes elementos persuadiram algumas pessoas, incluindo os membros do Conselho de Ministros, de que o país não iria sobreviver se continuasse sendo uma república.
A Grã-Colômbia, para eles, terminaria dividida “pelas antipatias e rivalidades existentes”. Por isso, eles chegaram à conclusão de que a única forma de ter garantia de ordem e estabilidade era uma monarquia constitucional, governada por um príncipe trazido da Europa.
Mas, sobre tudo isso, o que pensava Simón Bolívar?
Simón Bolívar recusou explicitamente, em várias ocasiões, a ideia de ser coroado rei — Foto: GETTY IMAGES
Em dezembro de 1829, o Libertador deixou muito claro que ninguém poderia contar com ele para aquele projeto de monarquia.
“Em relação ao ato do Conselho Ministerial sobre a fundação de uma monarquia, cujo trono (qualquer que fosse sua denominação) deveria ser ocupado por S. Exª o Libertador-Presidente e, por ele próprio, sustentar a todo custo sua base em benefício do sucessor, S. Exª acreditou ser seu dever reprová-lo; pois sua própria consagração à causa pública seria infrutífera, já que, manchada sua reputação por um ato contraditório à sua carreira e aos seus princípios, ele trilharia o conhecido caminho dos monarcas”, segundo uma carta enviada pelo secretário de Bolívar, José Domingo Espinar (1791-1865), ao ministro Estanislao Vergara (1790-1855).
“Convenha ou não à Colômbia a criação de um trono, o Libertador não deve ocupá-lo; mais do que isso, ele não deve cooperar com a sua edificação, nem acreditar, ele próprio, na insuficiência da atual forma de governo”, acrescenta a carta.
Apesar desta e de outras negativas explícitas e escritas anteriores, existem historiadores que acreditam que Bolívar aspirava a ser um monarca, enquanto outros consideram que sua posição sobre a questão era ambígua.
“Se alguma responsabilidade pode ser imputada a Bolívar é a de que, conhecendo o projeto de monarquia, ele não se apressou a reprová-lo, mantendo um silêncio com efeitos devastadores para a unidade nacional”, segundo Uribe Vargas.
“Não só o Conselho de Ministros renunciou, reconhecendo seu erro, mas a opinião unânime dos historiadores considera esta conduta um dos fatores que mais contribuíram para a dissolução da Grã-Colômbia”, conclui o historiador.
Naquela época, Bolívar estava muito preocupado com o destino da Grã-Colômbia, ao ponto de considerar ideias extremas, como solicitar um protetorado externo, para evitar sua dissolução.
Em uma carta enviada de Quito (no Equador), em abril de 1829, para o ministro de Relações Exteriores, Espinar destacou que “o quadro tão espantoso oferecido pelos novos Estados americanos faz prever um futuro muito grave e a causa da independência se vê ameaçada pelas mesmas pessoas que deveriam sustentá-la”.
Ele acrescenta: “não resta outro recurso (na opinião de S. Exª) a não ser que você fale privadamente com os ministros dos Estados Unidos e da Inglaterra, manifestando a pouca esperança existente de consolidar os novos governos americanos e a iminência de que eles sejam reciprocamente substituídos, se um Estado poderoso não intervier em suas diferenças ou tomar a América sob sua proteção”.
Uribe Vargas afirma que esta “súbita mudança de conduta” de Bolívar é atribuída à doença que o afligia e “à angústia do Libertador ante o espetáculo de algumas facções políticas, cujas disputas colocavam em perigo a sorte da campanha de emancipação”.
O escritor e ex-diplomata também destaca que, a partir desta iniciativa do protetorado, o Conselho de Ministros imaginou que o Libertador pudesse assumir uma posição mais favorável à ideia da monarquia.
Mas, apesar disso, Bolívar rejeitou a possibilidade de ser coroado em diversas ocasiões.
Uma das mais célebres ocorreu em 1826, quando o general José Antonio Páez (1790-1873) enviou uma carta comparando a situação da Grã-Colômbia com a vivida pela França, quando Napoleão foi chamado para salvar a nação – e apelava ao Libertador para que fizesse o mesmo.
Em sua resposta, Bolívar foi taxativo: “não sou Napoleão, nem quero ser; também não quero imitar César, muito menos Iturbide [imperador do México entre 1822 e 1823]. Estes exemplos me parecem indignos da minha glória. O título de Libertador é superior todos os que já recebeu o orgulho humano. Por isso, é impossível degradá-lo.”
“Um trono assustaria tanto pelo seu brilho, quanto pela sua altura. Este projeto não é conveniente para você, nem para mim, nem para o país”, concluiu Bolívar.
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