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Entenda como a Baixada Santista entrou na rota do tráfico internacional de drogas

today4 de agosto de 2023 1

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“Historicamente, o Brasil é um dos territórios por onde passa parte das cargas de cocaína exportadas para a Europa e para a África. O Porto de Santos é um dos locais por onde saem esses carregamentos, que envolvem múltiplos atores — brasileiros e não brasileiros“, explica Camila Nunes, professora da Universidade Federal do ABC e pesquisadora colaboradora do Núcleo de Estudos da Violência, da USP.

O Porto de Santos, o maior da América Latina, oferece várias possibilidades para o tráfico internacional enviar cargas para outros países, devido ao grande fluxo de entrada e saída de navios, diz o promotor Silvio Loubeh, do Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (GAECO), Núcleo Santos, do Ministério Público Estadual.

Mais recentemente, cerca de uma década para cá, o Primeiro Comando da Capital (PCC), facção dominante no estado de São Paulo, passou a atuar mais fortemente no tráfico internacional de drogas, o que ampliou a penetração dela na Baixada Santista e a presença no Porto de Santos.



“Até alguns anos atrás, o tráfico internacional não era um nicho explorado pelo PCC. Foram traficantes locais que descobriram o potencial financeiro do tráfico internacional”, explica Loubeh.

De acordo com Nunes, esse processo ganhou força a partir de 2016 e 2017, quando parte dos carregamentos de drogas, antes operacionalizados por indivíduos ligados ao grupo criminoso, passou a ser tocada pela facção enquanto organização.

“Isso reconfigura o crime na região. Passa a haver mais gente participando desse negócio e recursos muito maiores envolvidos, fazendo com que a região se torne mais importante para a facção”, diz ela, que é autora do livro “A Guerra: a ascensão do PCC e o mundo do crime no Brasil”.

A professora ressalta que a facção não controla todas as cargas de drogas exportadas para outros continentes a partir do porto. Outros grupos, inclusive de estrangeiros, também passam suas cargas pelo local. No entanto, devido ao domínio do grupo criminoso na região, esses outros atores precisam contar com alguma parceria ou negociação com os integrantes da facção.

“O PCC é um ator relevante na região justamente por essa presença no território, uma presença orgânica, porque cresceu não só na região da Baixada, mas em todo o estado de São Paulo”, diz ela.

A Autoridade Portuária de Santos, responsável pela administração do porto no município, disse ao g1 que não comentaria o assunto.

A Baixada Santista tem 1,8 milhão de habitantes distribuídos em nove municípios, entre eles Santos, Guarujá, Bertioga, Cubatão e São Vicente, e abriga o Porto de Santos, o maior da América Latina.

Segundo os especialistas consultados pela reportagem, o domínio da facção na região foi facilitado pela ausência estatal.

“Uma série de governos não desenvolveu tanto a região quanto era esperado, o que acaba gerando um ambiente propício para o crime organizado. Na Baixada, há um cenário de ocupação descontrolada e desordenada do solo, com ações de gentrificação de áreas que levam a população mais pobre para as periferias para dar lugar a empreendimentos destinados às camadas mais ricas“, diz Rafael Alcadipani, do Fórum Brasileiro de Segurança Pública e professor da FGV.

São ocupações irregulares em áreas de morro e de mangue que vem se expandindo ao longo das últimas décadas. O relevo da região e as ocupações em palafita tornam mais difícil a entrada das forças de segurança e o patrulhamento, possibilitando a criação de esconderijos de armas e de drogas.

Loubeh lembra que, em alguns casos, favelas cresceram com o apoio indireto do poder público, na figura de funcionários públicos e políticos que fornecem material para, posteriormente, pedir votos nas comunidades.

No entanto, os responsáveis pelo tráfico de drogas internacional não estão nas comunidades, segundo Camila Nunes.

“São pessoas com alto nível de poder aquisitivo e com inserção social nas classes mais elevadas. Vivem em condomínios fechados, muito bem protegidos, e muito bem protegidas pelas relações que estabelecem com outros setores da sociedade”, explica ela.

Para especialistas ouvidos pela reportagem, operações policiais do tipo não são suficientes para desarticular a facção criminosa.

Para Alcadipani, do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, o estado tem que dar uma resposta quando um policial morre em serviço, mas isso deve ser feito dentro da lei. “Não existe pena de morte no país.”

Na avaliação do especialista, o crime organizado é, atualmente, a maior ameaça à democracia brasileira devido à forte penetração dele em várias esferas do poder público.

“O crime organizado corrompe agentes públicos, está presente na elite, avilta o processo democrático, influencia eleições pelo país. Vemos solturas de criminosos que são absolutamente inacreditáveis e áreas em que o estado simplesmente perdeu o controle e mal consegue entrar mais”, afirma ele.

Loubeh concorda que o crime organizado é uma ameaça à democracia brasileira.

“É essencial que o estado retome o controle dessas regiões, só assim a população que vive nessas áreas e que não tem nada a ver com o crime vai ter acesso à liberdade e à democracia”, diz ele.

Para os especialistas, essa retomada, no entanto, precisa ser feita de maneira articulada, envolvendo todas as polícias, a Marinha, o Ministério Público, os governos municipais, além do estadual e do federal, e outras ações que vão além da segurança pública.

Segundo o promotor, também é necessário que os governos levem urbanização e acesso aos serviços públicos, por exemplo.

Para Nunes, incursões em comunidades periféricas como as realizadas na Operação Escudo são espetáculos políticos que beneficiam apenas políticos eleitos com o discurso de repressão ao crime.

“Os policiais que estão na ponta não ganham nada com isso, ao contrário, acabam sendo vitimizados, como aconteceu”, diz ela.




Todos os créditos desta notícia pertecem a G1 Santos.

Por: G1

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