Os Estados Unidos, por outro lado, são vistos como agressores – e não apenas na Ucrânia, mas também na Hungria. Em uníssono, a mídia pró-Viktor Orbán, o primeiro-ministro húngaro, aponta que os americanos estão atacando a soberania da Hungria e forçando o país a “entrar em uma guerra”.
Manifestações antiamericanas tão estridentes como as que se vê agora não foram tão perceptíveis na Hungria nos últimos anos, mesmo sob o comando do atual regime. As razões atuais decorrem de um pacote de sanções imposto contra a Rússia pelo governo americano que atinge o Banco Internacional de Investimento (IIB, na sigla em inglês), que é russo-húngaro e tem sede em Budapeste, e seus funcionários, incluindo o chefe-adjunto da corporação, o húngaro Imre Laszloczki.
Em um primeiro momento, isso pode não ser uma grande novidade, uma vez que os EUA já sancionaram políticos e empresários de outros países aliados, como Bulgária e Albânia, além de cidadãos húngaros. Agora, no entanto, pela primeira vez desde o início da guerra na Ucrânia, é sancionado um Estado-membro da União Europeia (UE) e da Otan: a Hungria, que detém 25% das ações do IIB, um banco estatal.
Na quinta-feira (13/04), inesperadamente, o Ministério da Economia húngaro anunciou que a Hungria vai se retirar do IIB. Com isso, o governo de Orbán evita as primeiras consequências das sanções.
Não se sabe, porém, se essa ação levará a uma mudança de comportamento mais profunda do país na sua política externa. Em outras oportunidades, Orbán até recuou um pouco quando teve conflitos com os EUA e a UE, mas não promoveu nenhuma mudança fundamental nesse quesito.
Banco húngaro de espionagem
O IIB desempenha um papel importante nas relações russo-húngaras. A sede foi transferida de Moscou para Budapeste em 2019. Na Hungria, também é chamado de “banco de espionagem”, pois seus líderes são oriundos do serviço secreto russo FSB; o chefe-geral, Nikolai Kosow, descende de uma família de oficiais da KGB – o serviço secreto da União Soviética durante a Guerra Fria; e o chefe-adjunto, Laszloczki, é arquiteto e gerente da política econômica húngara na Rússia e nas repúblicas da Ásia Central.
As sanções americanas contra a Hungria caracterizam, por ora, o ponto mais baixo da já muito tensa e agora também abertamente hostil relação entre os dois países.
O primeiro-ministro húngaro nunca escondeu sua antipatia em relação ao Partido Democrata americano e o presidente Joe Biden, e continua fã e amigo de Donald Trump. Orbán foi o primeiro chefe de governo da União Europeia (UE) a parabenizar Trump quando ele foi eleito. Recentemente, devido aos processos que o ex-presidente americano enfrenta na Justiça, o líder húngaro escreveu no Twitter: “Siga em frente, Sr. presidente! Estamos com você!”
Ministro do Exterior em Moscou
Representantes do governo americano têm repetidamente criticado a atual situação da democracia e do Estado de direito na Hungria e as práticas de corrupção no governo Orbán, bem como expressado preocupação quanto às estreitas relações entre húngaros e russos, o que pode ter contribuído para a inclusão da Hungria no novo pacote de sanções contra a Rússia.
De fato, a Hungria é o único país da UE que oficialmente ainda mantém relações amistosas com a Rússia e, até hoje, condena sem grandes convicções a invasão da Ucrânia. O ministro do Exterior da Hungria, Peter Szijjarto, viajou nesta semana a Moscou, onde conversou sobre o fornecimento de gás natural e os investimentos russos na indústria nuclear húngara. No mesmo dia, o ministro do Exterior de Belarus, Sergey Alejnik, visitou Budapeste.
Até agora, salvo algumas exceções, a Hungria tem apoiado sanções contra a Rússia, o que fez com que fosse classificada por Moscou como “país hostil”. Mas Orbán tem constantemente se manifestado pelo fim das sanções, além de repetidamente afirmar que a guerra não teria começado se Trump fosse o presidente dos EUA. Indiretamente, ele culpa os EUA sob Biden e a UE “pró-guerra” pela agressão russa na Ucrânia.
Campanha anti-EUA e embaixador insultado
A presença do embaixador dos EUA em Budapeste, David Pressman, também tem contribuído para o aumento das tensões entre americanos e húngaros. Pressman é abertamente homossexual e, por isso, um alvo fácil para o governo homofóbico de Orbán. Ao ser empossado na capital húngara, o embaixador foi vítima de ataques de ativistas anti-LGBT e pró-governo, além da mídia local.
O governo da Hungria, por sua vez, há muito tempo acusa Pressman de apoiar partidos de oposição e de conspirar para derrubar Orbán. Uma das razões é o fato de a embaixada dos EUA estar apoiando uma campanha pró-Ucrânia de cartazes húngaros que diz: “Russos, vão para casa!”. Esse slogan foi usado pelo partido conservador Fidesz, de Orbán, em campanhas políticas no fim da Guerra Fria.
Amigável nas declarações, Pressman é crítico nas suas avaliações do regime de Orbán. E, às vezes, não consegue resistir ao sarcasmo: no outono passado, por exemplo, a embaixada americana postou um quiz online com frases antiamericanas e pró-russas bizarras – reproduções, sem exceção, de políticos e publicitários húngaros.
Depois que Pressman anunciou as sanções americanas impostas contra a Hungria, no final da tarde de quarta-feira, as reações oficiais húngaras eram esperadas. Representantes do Fidesz disseram que a Hungria defenderá sua soberania e não mudará sua posição.
A mídia, pró-governo, continuou com a forte campanha antiamericana. O portal Origo, que tem grande audiência no país, publicou na manchete: “EUA atacam novamente: país trai todos os seus aliados e os apunhala pelas costas”. O conhecido publicitário e amigo de Orbán Zsolt Bayer escreveu a Pressman: “Cale a boca, entendeu?”.
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