O foco no inimigo externo é um recurso manjado de regimes autoritários para desviar a atenção dos graves problemas internos. Maduro escolheu o ufanismo para nortear a sua campanha eleitoral chavista, com o objetivo da reeleição, no próximo ano.
Logo após o controverso referendo consultivo sobre Essequibo, o procurador-geral Tarek William Saab ordenou a prisão de colaboradores próximos de María Corina Machado, a principal adversária de Maduro, inabilitada pelo regime para concorrer a cargos públicos por 15 anos.
O dirigente do partido Vente Venezuela, o coordenador de campanha e a chefe de Comunicação estão entre os dez acusados de apátridas e conspiração transnacional — outra fórmula recorrente do regime para atingir seus opositores.
Conforme denunciou o procurador-colaborador de Maduro, os acusados “dirigem ações desestabilizadoras e conspiratórias, patrocinadas por um grupo de pessoas covardes no exterior, sem cessar o seu desejo de ódio imemorial contra o povo da Venezuela”.
A decisão foi antecipada pelo próprio presidente dois dias antes, quando, em seu programa semanal, acusou políticos opositores de receberem financiamento da petrolífera americana ExxonMobil, que explora recursos de Essequibo para a Guiana.
Classificado por dirigentes chavistas como sucesso, o referendo de domingo sobre o território que equivale a 70% da Guiana levantou denúncias sobre a participação de eleitores, já que os postos de votação estiveram desertos. Os números apresentados pelo Conselho Nacional Eleitoral, dirigido por um fiel aliado de Maduro, foram questionados e tachados de inflacionados.
O desgaste de seu governo de dez anos — sem incluir os 14 do antecessor, Hugo Chávez — se escancara nas pesquisas.
No início de novembro, uma pesquisa da Delphos, apontava apenas 18% das intenções de votos para Maduro. A rejeição popular a ele, em torno de 15%, é a pior em uma década de gestão: mais de 80% querem mudança de liderança. Há quem, em seu próprio partido, defenda a substituição do líder por outro candidato.
“Maduro é uma máquina destruidora de votos. Insistir com ele será um suicídio político para o PSUB”, resumiu o ex-ministro chavista e dissidente Andrés Izarra ao site “Efecto Cocuyo”. Ele também integra a lista dos acusados, com ordem de prisão, pelo procurador-geral Saab.
Opositores e analistas políticos especulam que Maduro está acirrando a retórica anexionista de Essequibo e o confronto com a Guiana para postergar as eleições, estabelecidas para o segundo semestre de 2024 pelos acordos assinados em Barbados.
Imediatamente após o referendo, o presidente exibiu um mapa fictício do país, incluindo o novo estado de Guiana Essequiba, nomeou um general para supervisionar a região e anunciou a cidadania venezuelana para seus habitantes. Não explicou, contudo, como fará para empreender suas pretensões, até agora no campo da falácia.
Morador carrega quadro com novo mapa divulgado na Venezuela contendo a região de Essequibo — Foto: Ariana Cubillos/AP
Maduro conta com o apoio na Venezuela, inclusive da oposição, sobre a soberania de Essequibo; por isso, conduz sua estratégia ufanista. A própria María Corina Machado apresentou um projeto de lei em 2014, quando era deputada, propondo a defesa do território e o desenvolvimento da infraestrutura e concedendo cidadania venezuelana a seus habitantes. Ficou guardado na gaveta chavista.
Só agora, oito anos após a descoberta pela Guiana de importantes reservas de petróleo em Essequibo, Maduro se interessou por reivindicar a soberania da região, com decisões unilaterais, copiando a tática dos autocratas. Abrir essa frente, insinuando a retórica belicista no discurso subliminar, é mais um indicativo de que seu interesse é oportunista, numa tentativa de recuperar a popularidade e, mais uma vez, afastar os opositores das urnas.
Publicar comentários (0)