Ele subiu com raiva em seu triciclo elétrico e viajou vários quilômetros até outra agência, onde finalmente conseguiu sacar algum dinheiro depois de desperdiçar a manhã inteira.
“Não deveria ser tão difícil conseguir o dinheiro que você ganha trabalhando”, disse o jovem de 23 anos à Associated Press.
Fonseca faz parte de um número crescente de cubanos frustrados que têm de enfrentar mais um obstáculo enquanto navegam no já complicado sistema monetário da ilha: a falta de dinheiro.
Em Havana, longas filas começam a se formar desde as primeiras horas do dia em frente a bancos e caixas eletrônicos da capital Havana. Os moradores relatam que não conseguem encontrar notas de dinheiro o suficiente para pagar operações de rotina, como compra de alimentos básicos.
Vendedor ambulante de sorvetes conta notas de dinheiro em Havana, em Cuba, em 20 de abril de 2024. — Foto: Ariel Ley/ AP
Especialistas dizem que há várias razões por trás da escassez, mas todas estão relacionadas com a profunda crise econômica que Cuba enfrenta, uma das piores em décadas.
Omar Everleny Pérez, economista cubano e professor universitário, diz que os principais culpados são:
- Déficit fiscal crescente do governo;
- Inexistência de notas superiores 1.000 pesos cubanos, que no mercado paralelo equivalem a cerca de US$ 3 (R$ 15);
- Inflação elevada;
- Retenção das notas de dinheiro por parte de empresários.
“Há dinheiro, sim, mas não nos bancos”, disse Pérez, acrescentando que a maior parte do dinheiro está na posse não de trabalhadores assalariados, mas de empresários e proprietários de pequenas e médias empresas que têm maior probabilidade de cobrar dinheiro proveniente de transações comerciais, mas estão relutantes em devolver o dinheiro aos bancos.
Isto ocorre, segundo Pérez, ou porque esses empresários não confiam nos bancos locais ou simplesmente porque precisam que os pesos cubanos sejam convertidos em moeda estrangeira.
A maioria dos empresários e proprietários de pequenos negócios em Cuba têm de importar quase tudo o que vendem ou pagar em moeda estrangeira pelos fornecimentos necessários ao funcionamento dos seus negócios.
Como consequência, muitos acabam acumulando pesos cubanos para depois trocá-los por moeda estrangeira no mercado informal. A conversão desses pesos cubanos para outras moedas representa ainda outro desafio, uma vez que existem várias taxas de câmbio altamente flutuantes na ilha.
Por exemplo, a taxa oficial utilizada pelas indústrias e agências governamentais é de 24 pesos por dólar americano, enquanto para indivíduos a taxa é de 120 pesos por dólar. No entanto, o dólar pode valer até 350 pesos cubanos no mercado informal.
Pérez observa que em 2018, 50% do dinheiro em circulação estava nas mãos da população cubana e a outra metade nos bancos cubanos. Mas em 2022, o último ano para o qual há informação disponível, 70% do dinheiro estava nas carteiras dos particulares.
Procurados pela AP, as autoridades monetárias cubanas não comentaram a crise até a publicação desta reportagem.
A escassez de dinheiro ocorre num momento em que os cubanos enfrentam um sistema monetário complexo, no qual circulam várias moedas, incluindo uma moeda virtual, a MLC, criada em 2019.
‘Sociedade sem dinheiro’ foi programa de governo
Em 2023, o governo anunciou várias medidas destinadas a promover uma “sociedade sem dinheiro”, tornando obrigatória a utilização de cartões de crédito para pagar algumas transações – incluindo compras de alimentos, combustível e outros bens básicos. Mas muitas empresas simplesmente se recusam a aceitar os cartões.
Para piorar, a inflação do país está alta, o que significa que são necessárias cada vez mais contas físicas para comprar produtos.
Segundo dados oficiais, a inflação situou-se em 77% em 2021, depois caiu para 31% em 2023.
Mas, para o cubano médio, os números oficiais não refletem a realidade das suas vidas, uma vez que a inflação do mercado pode atingir até três dígitos na economia informal. Por exemplo, uma caixa de ovos, vendida por 300 pesos cubanos em 2019, hoje é vendida por cerca de 3.100 pesos.
Ao mesmo tempo, o salário mensal dos funcionários públicos cubanos varia entre 5.000 e 7.000 pesos cubanos, entre US$ 14 e 20 dólares (entre R$ 70 e R$ 100).
“Viver numa economia que, além de ter várias moedas, tem várias taxas de câmbio e uma inflação de três dígitos é bastante complicado”, disse Pavel Vidal, especialista em Cuba e professor da Universidade Javeriana de Cali, na Colômbia.
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