A aposentada Maria Isabel Ponce, de 60 anos, disse que mora há 47 em um dos prédios tortos na Avenida Vicente de Carvalho, no bairro Boqueirão, e já se acostumou com a situação. “Aqui é bom de se viver […]. Tem uma vista maravilhosa e isso é o bom de morar aqui. Você pode ver quatro cidades, tudo ao mesmo tempo“.
Maria Isabel disse que ter uma vista de frente ao mar é o ponto positivo em morar no prédio torto — Foto: Reprodução/TV Tribuna
A moradora e síndica de um dos prédios tortos na Avenida Bartholomeu de Gusmão, no bairro Boqueirão, Maria Inês Chedid, de 59 anos, disse que para eles a situação é normal. “A gente se acostuma né? Só tem um pouco de inclinação, as portas fecham sozinha e a bolinha sai rolando”.
Para Inês, a vista para o mar é um dos principais fatores que tornam a situação agradável. “O local é muito bom, a gente tem a vista para o mar, o jardim que é maravilhoso. Isso ajuda a superar a lembrança de que o prédio é torto”.
Tontura, portas que se fecham e desvalorização
Adaptada com a situação, Isabel relembrou que quando mudou-se para o apartamento não percebeu que era torto. “Foi só depois de alguns dias, enquanto tentávamos abrir a porta [do guarda-roupa que percebemos]. Fui me acostumando, mas no início não era fácil”.
Inês ressaltou que os moradores usam prendedores para evitar que as portas fechem sozinha. “O caimento do prédio é para o lado do canal, onde é mais torto”. Ela disse que os episódios de tontura são mais frequentes na saída do elevador. “No dia a dia vamos acostumando, nem se sente mais, o corpo até se adapta”.
Isabel mora no 13° andar de um prédio com 14 andares e contou que já tentou vender o imóvel e acabou desistindo por falta de interessados. “As pessoas dizem que sentem tontura ao entrar aqui, […] sentem um pouco de labirintite, mas eu não sinto nada […]. Até agora não vendi, mas como me acostumei, não irei vendê-lo mais”.
Maria Isabel mostrou truque que utiliza com cabide para segurar as portas do guarda-roupas — Foto: Reprodução/TV Tribuna
Já Inês acredita que o fato do prédio estar torto não atrapalha no processo de venda. “Pelo contrário, cada dia mais tem gente querendo comprar. Vale muito a pena, não trocamos por nada. Falo por mim e pelos meus vizinhos”.
Inês é dona do apartamento desde 1964, mas este era usado como casa de temporada. Desde 2004 mora no imóvel e convive com a inclinação.
A síndica contou, ainda, que corretores e o engenheiro que acompanha o edifício para elaboração dos laudos estimam que o prédio torto sofra uma valorização entre 40% a 50% com a colocação no prumo — assim que ficar reto.
“A gente já está em um baita lugar bom, com uma vista maravilhosa e ainda vamos ter uma valorização no imóvel. É tudo de bom né?”, disse Inês, que revelou que o serviço deve custar aproximadamente R$ 5 milhões.
Prédio torto onde Inês mora e a vista de dentro do apartamento dela para o mar, no bairro Boqueirão, em Santos (SP) — Foto: Inês Chedid
Conhecido como ‘Prédio do Torto’, a síndica ressaltou a fama do local. “Somos um ponto de referência. Todo mundo para na porta para fotografar. Apesar de não ser o mais torto, como ele é grande chama a atenção”.
O g1 entrou em contato com a Prefeitura de Santos para saber qual é o edifício com maior grau de inclinação, mas a administração municipal disse que não pode informar porque trata-se de propriedade particular que não oferece risco.
Questionada sobre a existência de um levantamento sobre a ocupação desses imóveis tortos, a prefeitura respondeu que não realiza esse monitoramento.
Prédios tortos na orla de Santos (SP) — Foto: Silvio Luiz/A Tribuna Jornal
A análise sobre a quantidade de edifícios tortos em Santos foi realizada por técnicos da Secretaria Municipal de Infraestrutura e Edificações (Siedi) após solicitação apresentada à prefeitura pelo vereador José Teixeira Filho, o Zequinha Teixeira (PP), que inclusive já recebeu ofício com os dados coletados.
Zequinha demandou o Executivo após cobranças da população sobre o tema. “Precisamos saber o aumento do grau de inclinação a cada um ou dois anos, e se isso coloca os moradores em risco”.
De acordo com a prefeitura, apesar de os prédios estarem tortos, as condições atuais deles não indicam comprometimento das seguranças estruturais.
Ao g1, o engenheiro civil Franco Pagani afirmou que nenhum prédio inclinado na cidade apresenta risco de queda, mas explicou que edifícios estreitos e altos demandam maior atenção pois inclinam com mais facilidade, enquanto os grandes e retangulares afundam e não geram perigo.
Lei e laudos por segurança
Santos, SP, tem 65 prédios tortos na região da orla da praia — Foto: A Tribuna Jornal
A Prefeitura de Santos informou que, a cada dois anos, exige que os edifícios apresentem laudos sobre a inclinação dos prédios. O objetivo é acompanhar se aumentou, estacionou e se alguma intervenção deve ser feita.
A cobrança é feita com base na Lei Complementar 441 de 2001, que requer a apresentação de laudo de autovistoria técnica atestando as condições de segurança e estabilidade.
As medições são acompanhadas pelo Programa dos Prédios Inclinados de Santos. A avaliação da necessidade de obras de reparos ou de manutenção da edificação são analisadas pelo responsável técnico pelo laudo.
A prefeitura ressaltou que existem soluções técnicas e viáveis para resolver o problema da inclinação, mas é do condomínio a responsabilidade pela contratação de empresa especializada para execução das obras, enquanto o município fiscaliza.
Prédios tortos na orla de Santos (SP) — Foto: Vanessa Rodrigues/A Tribuna Jornal
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