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O fim do Concorde: por que não existem mais aviões supersônicos de passageiros voando?

today26 de novembro de 2023 16

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O Concorde da British Airways partiu de Heathrow, em Londres, às 11h do horário local, e fez um enorme desvio até a Baía de Biscaia, no Atlântico Norte, antes de dar voltas pelo céu inglês, tocando o solo no aeródromo de Filton. A ocasião tinha ares solenes e contou até com discurso do Príncipe Andrew, Duque de York – hoje caído em desgraça -, que recebeu os cem pilotos, comissários e funcionários da companhia aérea a bordo do voo derradeiro.

Foi um final melancólico e antecipado para aquilo que o ex-CEO da Air France, Jean-Cyril Spinetta, chamou de “o mais belo objeto desenhado e construído pelo homem”.

Mais que um avião, o Concorde foi o mais perto que a engenharia conseguiu chegar de entregar o sonho de fazer o mundo caber na palma da mão. Capaz de chegar à velocidade do som (cerca de 2.200 km/h, a nível do mar), ele ligava as capitais de França e Reino Unido a Nova York em cerca de três horas e meia – o voo recorde, da rota, com destino a Londres, foi realizado em apenas duas horas e cinquenta e dois minutos.



A história desse feito começa de uma união improvável entre franceses e ingleses. Como conta o consultor de aviação Gianfranco Beting, na década seguinte à Segunda Guerra, os dois países europeus viram a primazia que tinham na indústria aeroespacial se esvair, levando empregos e bilhões de dólares em ganhos em potencial para os EUA.

Ao mesmo tempo, com o advento da propulsão a jato, o setor acreditava que o futuro da aviação residia em criar aviões cada vez mais rápidos.

“Ambos vinham de relativos sucessos”, avalia Beting. “Os franceses haviam construído o primeiro jato bem-sucedido para curtas distâncias, o Sud Aviation Caravelle. E os ingleses faziam vários tipos de aeronaves, mas elas eram compradas apenas por companhias inglesas.”

Beting relata também que as indústrias dos dois países possuíam pontos fortes complementares —os ingleses tinham expertise em construir asas e motores, enquanto seus colegas do continente eram bons em projetar sistemas, por exemplo.

Mas os percalços começaram logo que a francesa Aérospatiale e a inglesa BAC juntaram esforços: “Uma das primeiras questões era se eles usariam, no projeto, o sistema métrico [centímetros, metros, quilômetros] ou imperial [polegadas, pés, milhas]”, diz Beting.

Como os EUA haviam padronizado o sistema imperial na indústria, os ingleses acabaram vencendo a primeira queda de braço.

De longe, porém, a celeuma mais curiosa foi a disputa pelo nome do avião, se seria “Concord”, em inglês, ou “Concorde”, em francês. “Virou uma briga que quase cancela o projeto”, conta Gianfranco Beting.

O problema foi resolvido quando um ministro britânico acatou o nome “Concorde”, francês, alegando que o “e” no final representava “England” (Inglaterra).

Os percalços não impediram que os engenheiros, nos mais de dez anos da fase de projeto, buscassem soluções para o sem-número de problemas que o voo supersônico impunha, do formato das asas à cobertura dos motores.

“Acima da velocidade do som, a fricção com o ar gera temperaturas altíssimas. Tudo em relação a materiais e metalurgia no Concorde é inovador”, diz o consultor.

“E ele é o primeiro avião da história com tecnologia ‘fly-by-wire’. Em vez de um conjunto de hastes, molas, polias etc. para controlar as partes móveis, isso passou a ser feito por impulsos elétricos. Hoje, todos os aviões modernos usam esse sistema.”

O projeto estourou diversas vezes o orçamento e foi pesadamente bancado pelos governos. O investimento era justificado pelo interesse demonstrado por companhias aéreas do mundo inteiro.

De olho nesse mercado, os americanos trabalhavam em um projeto concorrente, o Boeing 2707, que sucumbiu à falta de financiamento em 1971, sem que nenhum protótipo fosse construído.

Concorde é levado ao hangar da British Airways no aeroporto de Heathrow, Reino Unido, em 2003 — Foto: Nicolas ASFOURI/AFP PHOTO

É por isso que a data de 2 de março de 1969 entrou para a história, quando o primeiro Concorde saiu do chão na cidade francesa de Toulouse. Foram anos de testes, verificações e certificações, até os dois primeiros voos, em janeiro de 1976 – um na França, um na Inglaterra. Simbolicamente, ambas as torres de controle deram a autorização para decolagem ao mesmo tempo.

Enquanto o voo da British Airways saiu de Londres em direção ao Bahrein, o da Air France partiu para Dacar, no Senegal, e para o Rio de Janeiro em seguida.

A rota mais famosa, porém — e a que entregava, de fato, lucro operacional —, era a que ligava as capitais europeias a Nova York, e só foi inaugurada em 1977, após os EUA eliminarem entraves aos voos supersônicos.

O mundo em que o Concorde começou a voar, no entanto, não era o mesmo mundo em que ele havia sido projetado. Pela complexidade da aeronave e pelo consumo estratosférico de combustível, as companhias aéreas desistiram, uma a uma, de comprar a aeronave, sobretudo depois do primeiro choque do petróleo, em 1973. Apenas British e Air France, ambas estatais nos anos 1970, compraram unidades do modelo.

Concorde realiza seu último pouso em Heathrow, em 24 de outubro de 2003 — Foto: Adrian Dennis/AFP/Arquivo

Além disso, ao romper a barreira do som, as aeronaves produziam o famoso “sonic boom”, um estrondo que incomodava mesmo quem estava em terra. Diversos países, incluindo os EUA, proibiram a aeronave de voar em velocidade de cruzeiro sob terra, deixando viáveis apenas as rotas transoceânicas.

Pop stars e endinheirados

Não à toa, voar num Concorde era uma experiência para poucos. As passagens custavam mais do que em uma primeira classe normal. A área de embarque era VIP, separada de passageiros de todos os outros voos. Ao chegar, cada passageiro recebia um certificado assinado pelo comandante. As bagagens que não coubessem no pequeno compartimento de carga eram entregues no endereço final no dia seguinte.

Beting, que fez um único voo supersônico na vida, classifica a experiência como inesquecível: “quando eu morrer, vai passar o filme desse dia na minha cabeça”. Ele descreve como era estar dentro de um Concorde.

“A cabine era apertada, as janelas eram muito pequenas. Como se voava muito alto, não dava pra ver nada. Dizem que era possível ver a curvatura da Terra. Eu tentei e não vi. O voo era muito barulhento, não por causa dos motores, mas pela fricção da fuselagem com o ar. Um barulho de baixa frequência. Imagina um ventilador gigante na sua orelha por quatro horas.”

“A cozinha era pequena, então não dava pra servir grandes refeições, que geralmente eram frias. Mas era luxo total: caviar, lagosta, champanhe…”, descreve.

“No meu voo, quando ele alcançou a velocidade do som, um comissário disse no microfone: ‘Bem-vindos ao voo supersônico’. Era como se você atravessasse um portal.”

Uma aeronave cara de operar e manter — uma das poucas, nos últimos anos, que precisava de um engenheiro de voo além de comandante e copiloto —, o Concorde não raro dava prejuízo às companhias.

Em julho de 2000, o modelo viu seu único acidente fatal: após a decolagem, em Paris, um incêndio provocou sua queda, matando todos os ocupantes a bordo. Foram 15 meses no chão até que todas as modificações de segurança fossem implementadas e aprovadas.

Destroços do Concorde acidentado são vistos em 26 de julho de 2000 — Foto: AFP

Quando o Concorde levantou voo novamente, em novembro de 2001, o mundo vivia as consequências do 11 de Setembro. Uma recessão global se instalava, e a procura por passagens transatlânticas caiu vertiginosamente.

Não se passou muito tempo até a Airbus — compradora da Aérospatiale — decidir parar de fabricar peças sobressalentes. Em abril de 2003, Air France e British Airways comunicaram a aposentadoria da aeronave. Os franceses interromperam o serviço em maio, enquanto os ingleses fizeram uma série de voos que saíam de Heathrow quase todos lotados – ante taxas de ocupação baixíssimas até então.

A despedida apoteótica começou em 24 de outubro daquele ano, com o derradeiro voo comercial. Depois disso, as aeronaves fizeram apenas exibições e voos finais para museus.

As companhias aéreas têm apostado em aviões que levam mais passageiros, consomem menos combustível e que podem voar cada vez mais longe. Mas Beting aponta uma diferença fundamental do Concorde para os modelos novos, que ultrapassa a aviação:

“O que realmente dá saudade é que o Concorde talvez seja a última máquina desenhada numa era em que nós, terráqueos, olhávamos para o futuro com algum otimismo. Ainda não se falava de emergência climática, aquecimento global. O futuro era um lugar mais rápido, mais bacana, mais confortável, mais seguro, com mais possibilidades. E a gente vive agora em um mundo em que tudo que a gente pensa, discute e faz em relação ao futuro é lamentar.”




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Por: G1

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