Pessoas choram em volta de corpo carregado para dentro de hospital

Crédito, EPA

Legenda da foto,

Pelo menos 21 pessoas já chegaram mortas ao Hospital Estadual Getúlio Vargas



Pelo menos 24 pessoas morreram nesta terça-feira (24/5) após uma operação policial na Vila Cruzeiro, parte do Complexo da Penha, na zona norte do Rio de Janeiro.

Esse número de mortos foi confirmado pela Secretaria de Estado de Saúde do Rio de Janeiro, a quem pertence o principal hospital para o qual feridos foram levados, o Hospital Estadual Getúlio Vargas. Dois suspeitos internados sob custódia no Hospital Estadual Getúlio Vargas morreram nesta quarta-feira (25/5).

A operação foi realizada pelo Batalhão de Operações Policiais Especiais (Bope) da Polícia Militar, pela Polícia Federal (PF) e pela Polícia Rodoviária Federal (PRF).

Segundo a PMERJ, “a ação teve por objetivo localizar e prender lideranças criminosas que estão escondidas na comunidade, inclusive criminosos oriundos de outros Estados do país (Amazonas, Alagoas, Pará entre outros)”.

“As equipes do BOPE e da PRF se preparavam para a incursão quando criminosos começaram a fazer disparos de arma de fogo na parte alta da comunidade”, continua a nota da polícia.

A BBC News Brasil pediu posicionamento da PRF sobre sua participação na operação, mas não respondeu resposta.

À noite, o presidente Jair Bolsonaro parabenizou no Twitter “os guerreiros do BOPE” pela ação.

Escolas e unidades de saúde na região ficaram fechadas durante o dia. Moradora de Vila Cruzeiro e criadora da página “Vila Cruzeiro – RJ”, que tem mais de 140 mil seguidores no Facebook, Cláudia Sacramento conta que a passagem de algumas linhas de ônibus foi interrompida e muitas pessoas não foram trabalhar, por precaução ou por dificuldade no transporte.

Ela relata ter escutado tiros e fogos desde 3h40 da madrugada de terça até às 18h, aproximadamente, e que confrontos ocorreram em várias partes da comunidade, principalmente perto de áreas de mata.

Crédito, EPA

Legenda da foto,

Operação que deixou mais de 20 mortos no Rio foi conduzida pela Polícia Militar, Polícia Federal e Polícia Rodoviária Federal

“As ruas estão vazias, o pessoal ainda está com medo e andando com muito cuidado. Depois de tudo isso, a gente fica apreensivo de acontecer de novo (mais confrontos)”, disse Sacramento em entrevista à BBC News Brasil por telefone, por volta de 19h30 de terça-feira.

“Dentro da favela não tem só gente armada, tem gente que trabalha, que às vezes deixa os filhos em casa para trabalhar. Aqui dentro não tem pé de drogas, não tem pé de armas, aqui é um enxuga gelo que só prejudica quem não tem nada a ver com isso”, lamenta a moradora.

O Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro (MPRJ) e o Ministério Público Federal (MPF) anunciaram a abertura de procedimentos de investigação para apurar as circunstâncias da operação.

O MPRJ afirmou que vai investigar a “licitude de cada uma das ações letais” e pediu a apreensão de todas as armas usadas na ação para perícia.

Já o MPF anunciou que vai “apurar as condutas, eventuais violações a dispositivos legais, as participações e responsabilidades individualizadas de agentes policiais federais durante operação conjunta”.

“Em 11 de fevereiro deste ano, no mesmo lugar, houve oito vítimas fatais em operação com participação da PRF. O Brasil é signatário de tratados e acordos internacionais que nos obrigam a investigar e punir violações de direitos humanos. E 21 mortos, até agora, em menos de 3 meses, não podem ser investigados como se fossem simples saldo de operações policiais”, afirmou em nota o procurador da República e titular do Núcleo de Controle Externo da Atividade Policial no Rio de Janeiro, Eduardo Benones.

Segundo o Grupo de Estudos dos Novos Ilegalismos (Geni) da Universidade Federal Fluminense (UFF), de 2007 a 2021, foram realizadas 17.929 operações policiais em favelas na Região Metropolitana do Rio. Destas, 593 terminaram em chacinas, com um total de 2.374 mortos. O maior número de mortes em uma única ação ocorreu no Jacarezinho, também na zona norte da cidade do Rio, em maio do ano passado: 28 pessoas morreram.

De acordo com levantamento do grupo de estudos, a presença de unidades especiais, como o Bope ou a Coordenadoria de Operações e Recursos Especiais (Core), da Polícia Civil, torna as operações mais propensas a levarem a chacinas.

Em fevereiro deste ano, o plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) determinou uma série de medidas a serem cumpridas pelo Estado do Rio de Janeiro em operações policiais, como a instalação de câmeras nas fardas dos policiais dentro de 180 dias e um processo mais detalhado e exigente para a realização de mandados de busca e apreensão.

Os ministros do STF também decidiram que o uso da força letal por agentes do Estado só deve ocorrer depois de esgotadas todas as alternativas e em “situações necessárias para a proteção da vida ou a prevenção de dano sério, decorrente de ameaça concreta e iminente”.

A deliberação fez parte do julgamento da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 635, que durante a pandemia de coronavírus levou à limitação, por meio de liminar, de operações policiais em meio à situação de emergência sanitária.

Já assistiu aos nossos novos vídeos no YouTube? Inscreva-se no nosso canal!