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Porto de Santos: traficantes tentam burlar fiscalização e escondem droga em ‘navio-garagem’ e caixa a 10 m embaixo da água

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Só uma embarcação dessa tem nove andares e transporta cerca de 7 mil carros, caminhões e tratores, o que torna difícil a fiscalização e um alvo preferencial para a facção paulista Primeiro Comando da Capital (PCC).

🛳️O que é um navio “ro-ro”: “ro-ro” é a sigla utilizada para definir os navios cargueiros Roll on-Roll off, de “carga rolante”, ou seja, veículos. É como se fosse um grande estacionamento vertical com várias rampas internas. E, diferentemente do navio que transporta contêineres, este é todo fechado.



IImagens obtidas pela GloboNews mostram quando mergulhadores encontraram 212 kg de cocaína  na “caixa de mar” de um navio

IImagens obtidas pela GloboNews mostram quando mergulhadores encontraram 212 kg de cocaína na “caixa de mar” de um navio

Outra diferença é que todos os contêineres que vão passar pelas rotas marítimas mais procuradas pelo tráfico são escaneados pela Receita Federal. Mas não é possível escanear veículos, porque necessitaria de um motorista para conduzi-lo e a radiação do equipamento é muito alta para o corpo humano.

O chefe da Divisão de Vigilância da Receita, Ivan da Silva Brasílico, admite que esse tipo de navio “apresenta vulnerabilidades”. “No ano passado, algumas das maiores apreensões foram em ‘navios ro-ro’. Qual é a dificuldade? São centenas, às vezes milhares de pessoas dirigindo e de veículos ali, subindo e descendo, que podem ser esconderijo para cocaína.”

Foi em um “ro-ro” que, em setembro do ano passado, 405 quilos de cocaína foram encontrados escondidos em um caminhão de bombeiros com destino à Argentina. A Polícia Federal desconfiou do comportamento de um tripulante filipino durante o carregamento da embarcação e acabou descobrindo que ele havia colocado a droga no veículo.

Mas não é só o tipo de navio que importa para os criminosos. A rota também muda com o aperto da fiscalização. Antes, o escaneamento da carga era obrigatório para países da Europa e da África. Mas recentemente a regra mudou e navios que vão para países da Ásia e da Oceania passaram a ser fiscalizados também.

Isso porque os criminosos passaram a enviar volumes menores — trocaram toneladas por quilos — e para países onde a venda é mais rentável, para tentar passar despercebido. “Era comum ter duas toneladas em um envio e hoje isso é difícil. Vemos no máximo 400 quilos, a última apreensão que a gente teve foi de só 46 quilos”, diz Ivan Brasílico.

A lucratividade em países como Austrália e Singapura explica o novo tipo de operação, explica Lincoln Gakiya, promotor do Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco) do Ministério Público de São Paulo, que investiga o PCC há 30 anos.

“Um quilo de cocaína é comprada por cerca de 1.500 dólares dos países produtores (Bolívia, Colômbia e Peru), e vendida a até 80 mil dólares na Europa. Já na Ásia e Oceania chega a valer até 150 mil dólares o quilo. Então eles enviam quantidades menores, mas com valores maiores”

Apreensão de cocaína no Porto de Santos (em kg)

Fonte: Receita Federal, Alfândega de Santos

Além dos navios “ro-ro”, outra forma de fazer a droga viajar pelo oceano é colocar os pacotes de cocaína em uma parte oca, dentro do casco do navio — conhecida como “caixa de mar” ou “sea chest”– por onde entra água usada na refrigeração das grandes embarcações. Esse local fica a cerca de 10 metros embaixo da água.

“Com uso de pequenos barcos, em um determinado momento ele pode empregar mergulhadores, que pegam as drogas, acoplam no casco do navio para que essa droga seja transportada de maneira oculta”, detalha o comandante Daniel Rubin, Capitão de Fragata da Marinha.

A operação é complexa. Os traficantes escondem a droga em um compartimento dentro do navio, que fixa abaixo do nível da água e é protegido por uma grade. Imagens exclusivas obtidas pela GloboNews mostram quando mergulhadores da Marinha encontraram 212 quilos de cocaína na “caixa de mar” de um navio que ia para a Alemanha, na última terça-feira (2). (veja no vídeo acima)

Os pacotes estavam embalados com plástico preto e presos com cordas, mosquetões e anilhas para não serem levados pela água durante a viagem. Essa foi a primeira apreensão feita por mergulhadores no Porto de Santos durante a Garantia da Lei e da Ordem (GLO), iniciada em novembro do ano passado, após decreto do presidente Lula (PT), e que aumentou as fiscalizações das forças de segurança no porto paulista e nos portos do Rio de Janeiro. Ninguém foi preso e a PF investiga quem colocou a droga no local.

Mas o jeito mais comum usado pelo crime organizado continua sendo esconder a droga e misturá-la na carga, antes de o contêiner chegar ao Porto.

“Às vezes eles colocam drogas nos contêineres fora dos terminais, às vezes,dentro dos terminais. Outras vezes eles embarcam a droga diretamente no navio (em um banheiro ou quarto, por exemplo). Então, eles são muito versáteis” , diz o comandante da Marinha Marcus André de Souza e Silva, Capitão dos Portos de São Paulo.

Outro ponto crítico para reprimir crimes é na saída do canal para o mar aberto, conhecida como “área de fundeio”. É uma região extensa, onde navios ficam à espera para a liberação para entrarem no canal e carregarem, ou também por onde os navios passam ainda em baixa velocidade porque estão começando a viagem.

O comandante Daniel Rubin, Capitão de Fragata da Marinha, confirma que são em situações como essas em que os traficantes se aproveitam da distância da margem para embarcar as drogas.

“É crítico, em especial, porque o crime organizado, ele pode se valer também do uso de pequenas embarcações para se aproximar dessas embarcações e fazer a introdução do ilícito. E isso dificulta bastante devido às dimensões do local”, afirma Rubin.

Barcos pesqueiros e mini-portos

Além de servir para levar droga até os navios, o uso de embarcações menores, como barcos pesqueiros e veleiros, tem sido usado também para cruzar oceanos. Um exemplo foi o pesqueiro brasileiro parado no Golfo da Guiné pela Marinha francesa, no dia 15 de março deste ano. Ele levava 10,7 toneladas de cocaína, com um valor estimado em quase 695 milhões de euros.

“Essa quantidade achada só nesse barco é praticamente tudo que a gente apreendeu ano passado no Porto de Santos. Então é bem evidente que o tráfico tem optado por essa nova modalidade”, afirma Daniel Coraça, delegado-chefe da Polícia Federal em Santos.

Segundo Gakyia, do MP-SP, outra mudança é o uso de portos menores, onde a fiscalização é mais ineficiente.

As principais saídas marítimas para o tráfico internacional são o Porto de Santos (SP), o do Rio de Janeiro (RJ), o de Salvador (BA), o de Rio Grande (RS) e o de Navegantes (SC).

Mas recentemente portos nordestinos como o de Natal (RN), de Barcarena (PA), de Suape (PE), de Fortaleza, Mucuripe e Pecém (CE) passaram a ser mais usados pelas facções. No Sul, os portos de Paranaguá (PR) e Itajaí (SC) viram o mesmo movimento. Até mesmo pequenos portos fluviais amazônicos estão sendo usados.

Além disso, segundo Gakyia, o PCC tem evitado passar cocaína pelo Brasil, enviando diretamente dos países que produzem a coca para o Equador, de onde é escoado para a Europa.

Ainda assim, o Ministério Público de São Paulo calcula que 60% de toda a cocaína enviada pelo PCC para a Europa ainda passe pelo Porto de Santos. São ao menos 4 toneladas por mês e só cerca de 10% é apreendida pelas forças de segurança.

Câmeras, cães, mergulho e inteligência artificial

Para tentar sufocar o tráfico internacional, desde novembro, portos e aeroportos do Rio de Janeiro e de São Paulo receberam reforços das forças armadas por causa do decreto da Garantia da Lei e da Ordem, a GLO, determinada pelo presidente Lula (PT).

Na prática, por seis meses, os militares têm poder de polícia no combate ao tráfico e outros crimes. No Porto de Santos, a Marinha e a Polícia Federal dobraram o número de efetivo e, junto com a Receita Federal, receberam mais dinheiro para fazerem patrulhamentos e investirem em tecnologia.

Com isso, ações como a de mergulhadores para tentar localizar drogas na caixa-mar dos navios passaram de três por semana para duas por dia, por exemplo.

Ainda assim, encontrar cocaína por lá é um grande desafio e fiscalizar tudo é impossível, segundo as autoridades –são cerca de 100 novos navios por dia e mais de 10 mil contêineres.

Operação da Receita Federal no Porto de Santos — Foto: Receita Federal/Divulgação

Por isso, as forças de segurança apostam em abordagens a embarcações e remessas suspeitas. Marinha, PF e Receita afirmam que nos últimos anos houve investimento em tecnologia e trabalho de inteligência para vistorias mais efetivas.

“Os navios são imensos, cada um é uma pequena cidade. Então mesmo que você faça buscas, se ela não tiver foco, não for especializada, pode acabar sendo feita a busca e não encontrar algum contrabando ou droga”, diz Ivan Brasílico, da Receita.

No Centro de Operações de Vigilância (COV) da Alfândega, a Receita tem acesso a cinco mil câmeras de segurança na área do Porto. São 24 horas por dia de monitoramento, que se apoiam no olhar treinado de agentes e em cruzamento de informações e dados para elaborar modelos de risco e apontar barcos e contêineres que possam ser usados pelo crime.

Eles analisam, por exemplo, a documentação e o histórico da embarcação e dos tripulantes e a origem e o destino da carga –principalmente as que vão para a Europa, África e Ásia, principais rotas do tráfico. Também contam com a ajuda de cães farejadores que conseguem apontar uma carga contaminada.

“A gente já tem hoje mais de 7 milhões de imagens nesse banco de dados e informações estruturadas, o que está declarado, o que não estava; a gente tem também o registro das ocorrências, então, tudo que é ocorrência que aconteceu de contrabando e descaminho, seja na importação seja na exportação, seja tráfico de drogas, seja falsa declaração de conteúdo, com isso, aí a gente tem um banco de dados que pode treinar redes neurais especializadas”, diz Brasílico.

Apreensões em queda e fim da GLO

Dados da Receita Federal indicam que as apreensões de drogas no Porto de Santos têm diminuído na última década. Em 2014, foram só 435 quilos apreendidos. Ano a ano elas foram aumentando, até o pico em 2019, com 27 toneladas apreendidas. Desde então, os números voltaram a cair. E em 2023, pouco mais de 7 toneladas foram localizadas.

O chefe da PF em Santos entende que a queda é uma tendência e que o tráfico de drogas pelo Porto de Santos tem diminuído.

“É um raciocínio lógico que os traficantes estão evitando esse porto por estar muito mais fiscalizado. Evidentemente que o tráfico internacional é muito dinâmico. E assim que uma modalidade começa a ter muita estatística de apreensão, eles mudam. Então, é essa eterna luta, né? Esse jogo da polícia contra os traficantes”, diz Daniel Coraça.

Mas a GLO, e o cerco maior ao crime organizado, tem prazo para terminar: 3 de maio. O governo federal ainda não decidiu se irá prorrogar a operação nos portos e aeroportos.

Receita Federal evitou que 46 kg de cocaína fossem encaminhados para a Austrália por meio do Porto de Santos em março de 2024 — Foto: Receita Federal/Divulgação

O promotor Gakyia é contrário à renovação e considera o decreto insuficiente para sufocar o tráfico de drogas. “A GLO foi feita e deve ser utilizada apenas em caráter excepcional e temporário, porque a função das forças armadas não é atuar na segurança pública. Então com a saída dessas tropas, a situação volta a ser como antes”, afirma ele.

Para o promotor, o que precisa ser feito pelo governo federal é uma política de segurança pública que integre as polícias estaduais com a Polícia Federal e os ministérios públicos. Além de um combate regional e até global.

“Os países deveriam mudar os tratados relativos às organizações criminosas transnacionais. Precisamos entender que o crime não tem fronteiras. Enquanto a Europa está preocupada com o crescimento do PCC lá, nós estamos preocupados com nossas fronteiras territoriais internas. O que é do estado de São Paulo não pode ser compartilhado pelo Rio”, afirma. “A folha de coca só cresce nos países andinos, então o esforço deveria ser no sentido de diminuir paulatinamente a área plantada, por exemplo. Talvez seja mais eficiente do que tentarmos sufocar o tráfico”, diz o promotor.

Em nota, o Ministério da Justiça não informou os valores gastos com os reforços dos militares nos portos e aeroportos com o decreto porque as ações ainda estão em andamento e que os custos totais vão ser divulgados após a conclusão dos trabalhos.

Mais de 100 toneladas de cocaína foram apreendidas em portos e aeroportos do Brasil entre 2021 e 2023

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Em nota, a pasta afirmou que, até quarta-feira (4), 115 toneladas de drogas tinham sido apreendidas, além de 252 armas e 10 mil munições, e que também foram feitas 268 mil fiscalizações em veículos e embarcações e cerca de 570 mil inspeções em bagagens e cargas. O total de ativos apreendidos ou retidos, entre imóveis, veículos, joias, embarcações e aeronaves, ultrapassa o valor de R$ 83 milhões, ainda segundo o Ministério da Justiça.




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Por: G1

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