Entre os exilados, estavam os sete candidatos que tentaram desafiar o ditador na eleição de 2021 e foram encarcerados. Sem adversários, ele assegurou o quarto mandato consecutivo.
Considerados traidores da pátria pela ditadura, os presos chegaram num voo fretado a Washington, onde receberam asilo por dois anos. Relataram o inferno de maus tratos, isolados em condições deploráveis nas prisões de segurança máxima.
Foram para o exílio, porém em liberdade, conforme resumiu o escritor Sergio Rodriguez, ex-vice-presidente da Nicarágua, que também está exilado.
Civil escreve mensagem de protesto contra o governo de Daniel Ortega, na Nicarágua — Foto: Inti OCON / AFP
A suspensão dos direitos de cidadania é proibida pela Constituição da Nicarágua: “Nenhum cidadão pode ser privado de sua nacionalidade”, diz a Carta. No regime de Ortega, contudo, a retirada desses direitos será incorporada como a “morte civil” do cidadão que não se enquadra aos seus desígnios.
O Parlamento, dominado pelo ditador, assim como os demais poderes do Estado, aprovou a modificação do artigo 21. Até a deportação é ilegal, pois refere-se somente a cidadãos estrangeiros e não aos nacionais, esclareceu o Centro de Direitos Humanos da Nicarágua.
A nova condição de apátridas e a suspensão dos direitos políticos não desanimou os dissidentes que desembarcaram em Washington. “Serei nicaraguense até o dia da minha morte”, protestou o ativista Felix Maradiaga, de 46 anos, dirigente da Unidade Nacional Azul e Branco, acusado pela ditadura de ser um dos líderes dos protestos de abril de 2018.
Felix Maradiaga é recebido pela filha em prantos e a mulher após deixar a prisão na Nicarágua — Foto: ANDREW CABALLERO-REYNOLDS / AFP
Bastante magro e recebido no exílio pela mulher Berta e a filha Alejandra, de 9 anos, que ele não via há mais de três, contou que todos foram retirados de suas celas, durante a madrugada, e colocados em ônibus, sem saber o destino. Imaginaram que estavam sendo transferidos para uma penitenciária perto do aeroporto.
Somente na porta do avião, foram surpreendidos com a viagem e tiveram que assinar um documento no qual declaravam estar deixando o país voluntariamente. Na aeronave, reencontraram outros dissidentes presos. “Foi um momento de forte emoção. Cantamos o hino nacional várias vezes ao sobrevoar o território nacional”, relatou Maradiaga.
Preso há 20 meses, o empresário Juan Sebastián Chamorro, que se candidatou à Presidência, considerou a libertação um milagre e agradeceu aos EUA por acolher os prisioneiros. “É uma sensação agridoce, a de desfrutar a liberdade, apesar de estar sendo expulso de nosso país.”
Cristiana Chamorro, ex-candidata a presidência da Nicarágua, ao lado de seu irmão e ex-deputado Pedro Joaquin Chamorro (centro) e o gerente da La Prensa — Foto: LA PRENSA / AFP
A libertação do grupo de 220 presos políticos sinaliza o início do degelo nas relações entre EUA e a Nicarágua, mas as circunstâncias das negociações ainda são nebulosas.
O secretário de Estado americano, Antony Blinken, apenas elogiou a iniciativa, que destacou como unilateral, como um passo construtivo para enfrentar os abusos contra os direitos humanos no país centroamericano.
Antony Blinken, secretário de estado dos Estados Unidos, durante discurso — Foto: Leah Millis/REUTERS
Ortega, por sua vez, fez questão de ressaltar que não houve qualquer negociação com o governo norte-americano: sua esposa e vice-presidente, Rosario Murillo, foi à embaixada americana em Manágua e solicitou a expulsão dos presos, sem propor alívio nas sanções ou qualquer tipo de toma-lá-dá-cá.
“Eles estão voltando para um país que os usou para semear terror, morte e destruição na Nicarágua”, afirmou.
Ex-guerrilheiro e líder da Revolução Sandinista, que em 1979 derrotou o regime Somoza, Ortega se transmutou em ditador com o passar dos anos, perseguindo e encarcerando companheiros que viraram desafetos.
Entre eles, Dora Téllez, de 67 anos, que era a segunda na hierarquia militar da guerrilha. Ela foi ministra da Saúde, mas em 1995 rompeu com a Frente Sandinista.
Ex-comandante de guerrilha sandinista, Dona Maria Tellez, em foto de 2008 — Foto: MIGUEL ALVAREZ / AFP
Téllez cumpria oito anos de prisão, estava isolada em uma cela escura e perdeu 15 quilos. Dois filhos da ex-presidente Violeta Barrios também estavam no voo dos exilados: a jornalista Cristiana Chamorro, que se dispôs a desafiar Ortega em 2021 e foi acusada de lavagem de dinheiro e falsidade ideológica, entre outros crimes; e Pedro Joaquim Chamorro, condenado há nove anos.
Um dos presos se recusou a partir para o exílio: o bispo de Matagalpa Rolando Álvarez: “Prefiro pagar com a minha pena”, argumentou.
Ao despachar seus desafetos para os EUA, Ortega tenta se livrar de um problema – o de manter prisioneiros políticos encarcerados. Esta iniciativa é apenas aparente. Conforme destacou a diretora para as Américas da Human Rights Watch, Tamara Taraciuk Broner, a maneira como eles foram libertados expõe a arbitrariedade da Justiça e o controle de Ortega sobre os tribunais.
“A comunidade internacional não deve ter ilusões”, afirmou a Anistia Internacional em comunicado. A repressão do regime aos direitos humanos na Nicarágua persiste e está mais severa do que nunca.
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