Platão (428/427 a.C. – 348/347 a.C.) o descreveu como um “Sócrates delirante”.
Não faltam histórias sobre as excentricidades desse filósofo que vivia como um vagabundo pelas ruas das cidades gregas, muitas vezes expressando seus pensamentos com piadas e ironias.
Ele dizia ser mais feliz, mais justo e mais corajoso do que qualquer rei, e Alexandre, que já era rei, o procurou e o encontrou deitado ao sol.
Quando perguntou: “Há algo que eu possa conceder a você?”, o filósofo respondeu: “Você pode se afastar e parar de bloquear a luz do sol”.
Segundo a versão de Plutarco (46 d.C. – 120 d.C) desta anedota, “Alexandre ficou tão impressionado e tão admirado com a arrogância e grandeza do homem que não sentiu nada além de desprezo por ele, que disse a seus seguidores, que riram do filósofo enquanto se afastavam: ‘Se Eu não fosse Alexandre, quem me dera ser Diógenes'”.
“Diógenes sentado em seu barril”, de Jean-Léon Gérôme (1860) — Foto: BBC
Diógenes de Sinope (400 a.C. – 325 a.C.) era um cínico. Na verdade, ele foi o primeiro cínico, embora o fundador da escola cínica tenha sido seu professor, o filósofo ateniense Antístenes (440 a.C. – 365 a.C), discípulo de Sócrates (470 a.C. – 399 a.C.)
Mas foi Diógenes quem ganhou o apelido, às vezes mencionado como um insulto, mas que recebeu como um elogio.
Em tempo: na Grécia Antiga, “cínico” tinha outro significado.
Hoje, a palavra descreve um indivíduo “hipócrita, sem escrúpulos”, “que se opõe enfaticamente aos padrões morais e sociais”, “que tem procedimento imoral, sarcástico ou debochado” ou “que tem atitude de descaso”.
A origem desse adjetivo pode surpreendê-lo: é derivado de kynes, que significa “cachorro”.
Mas o que o cinismo tem a ver com cães?
É aí que entra em jogo o comportamento incomum de Diógenes.
Ele nasceu no final do século 5 a.C. e foi banido de sua terra natal, Sinope (atual Turquia), uma colônia jônica no Mar Negro, por causa de um assunto um tanto obscuro envolvendo a falsificação de moedas.
Despojado de todos os seus bens e até mesmo da cidadania, ele se declarou cosmopolita e vagou pelas cidades gregas, vivendo de sua crença de que as convenções sociais impediam a liberdade pessoal e dificultavam o caminho para a boa vida.
“Diógenes e Platão”, de Mattia Preti (1649) — Foto: GETTY IMAGES via BBC
Para ele, riqueza, privilégio e poder, convencionalmente sinais de uma vida bem-sucedida, deveriam ser mais desprezados do que admirados.
Uma vida bem-sucedida era uma vida virtuosa, vivida conforme a natureza, e esse tipo de vida exigia apenas as necessidades mais básicas.
Então, em vez de buscar fama e fortuna, ou pelo menos uma maneira de ganhar a vida para pagar por comida e abrigo, Diógenes fez sua casa nas ruas, dormindo ao ar livre, às vezes em um barril.
Ele constantemente se esforçou por uma maior simplicidade.
Quando viu um menino usando um pedaço de pão para comer lentilhas e as mãos para beber água, disse: “Este menino me ensinou que ainda tenho coisas supérfluas” e se livrou de sua tigela e colher, a única coisa que tinha, e o manto com que se cobria.
Ele comia o que a natureza (ou boas almas) lhe dava e fazia todas as suas necessidades em público sem um pingo de vergonha.
Quando foi repreendido um dia por se masturbar na Ágora, Diógenes respondeu: “Gostaria que a fome pudesse ser aliviada tão facilmente apenas esfregando a barriga!” .
Foi por causa desse estilo de vida que passaram a chamá-lo de “Diógenes, o Kynikós”, que significa “como um cachorro” ou “canino”, ou, em português, “Diógenes, o Cínico”.
Mas ele não gostou do apelido.
Os cachorros eram um bom símbolo de sua filosofia: viviam felizes com pouco, comiam de tudo e dormiam onde podiam.
Como eles, Diógenes dizia: “Eu abano o rabo para quem me dá alguma coisa, lato para quem não me dá nada e mordo os malandros”.
Além disso, ele “latiu verdades”, sem medo ou favoritismo.
Não viveu apenas de acordo com suas convicções em silêncio para dar o exemplo.
Ao contrário, quando não estava pregando, passava o tempo insultando os transeuntes e os poderosos, usando o humor para criticar aqueles que aderiam ao que ele considerava ordens sociais antinaturais.
Em “A Escola de Atenas” de Rafael (1510-1511), Diógenes está sentado na escada, sozinho, no centro, vestindo uma toga azul — Foto: GETTY IMAGES via BBC
Embora tenha deixado pouco ou nada escrito, convencido de que a virtude se revelava pela ação e não pela teoria, suas ideias filosóficas sobreviveram graças ao que foi relatado por autores que as retomaram posteriormente, em obras como “Vidas, opiniões e frases dos mais ilustres filósofos” de Diógenes Laércio (século 3 d.C.).
Muitas são evidenciadas graças a anedotas, algumas talvez apócrifas, que mostram um estilo muito pessoal.
Diógenes costumava, por exemplo, entrar no teatro, caminhando contra o fluxo de pessoas que saíam. Quando questionado sobre o motivo, respondia: “É o curso de ação que segui durante toda a minha vida”.
A quem perguntava quando se devia almoçar, dizia: “Se for rico, quando quiser; se for pobre, quando puder.”
Para explicar por que as pessoas davam esmolas a mendigos, mas não a filósofos, assinalava: “Porque as pessoas esperam que se tornem coxos ou cegos, mas nunca que se tornem filósofos.”
Uma de suas ações mais memoráveis foi questionar a definição dada por Platão do ser humano pela qual ganhou elogios: um animal, bípede e sem penas.
Diógenes, que era muito crítico de Platão, arrancou um pássaro e levou-o à Academia e anunciou: “Aqui está o ser humano de Platão.”
Platão respondeu com humor: “Não se preocupe, vou acrescentar algo à definição: é um bípede sem penas com unhas largas.”
Com essa mesma atitude, expôs a insignificância da vida civilizada tanto com atos quanto com palavras, rejeitando desde ideias até práticas, como trazer iguarias de outras terras, argumentando que o que era produzido localmente deveria ser consumido, para evitar o gasto de recursos e o custo humano da importação.
E embora vivesse na pobreza, insistia que nem todos deveriam viver como ele, mas queria mostrar que a felicidade e a independência eram possíveis mesmo em circunstâncias reduzidas.
- autossuficiência, ou a capacidade de possuir dentro de si tudo o que é necessário para a felicidade;
- falta de vergonha ou desprezo pelas convenções que proíbem ações inofensivas;
- franqueza, ou um zelo intransigente para expor o vício e a presunção e incitar os homens a se reformarem;
- Excelência moral, obtida por meio de treinamento metódico ou ascetismo.
Diógenes ganhou seguidores que se tornaram conhecidos como os Filósofos Cínicos, ou Cachorrinhos, e continuaram a ser chamados assim por cerca de 900 anos após sua morte.
Mas nem todos foram tão fiéis à sua doutrina.
Segundo o escritor do século 2, Luciano de Samósata (125 a.C.-180 a.C.), os cínicos de sua época eram hipócritas e materialistas sem princípios que apenas pregavam o que Diógenes havia praticado.
Séculos depois, os renascentistas leram os textos de Luciano e começaram a usar a palavra “cínico” para descrever pessoas que criticavam outras sem ter nada de valor para contribuir, explicou William Desmond, filósofo irlandês e autor de vários livros sobre cínicos.
Esse uso começou a aproximar a palavra de seu significado atual.
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