À lista de outras crises da ordem civil que Macron teve de superar — terrorismo, coletes amarelos e protestos da esquerda sobre pensões e aposentadorias — agora pode ser adicionada a persistente, e cada vez mais premente, crise que se desenvolve no ‘banlieue’ — a periferia francesa.
Esporadicamente, nos últimos 18 anos, tem havido registros de tumultos nas periferias, regiões com grande concentração de franceses descendentes de imigrantes.
Normalmente, essas manifestações eram desencadeados pela morte ou ferimento de um jovem residente do sexo masculino — em consequência de ação policial — e elas tendiam a não durar mais do que uma ou duas noites.
Desde 2005, não houve um trauma prolongado como o que agora ameaça se desenrolar.
Naquela época, como agora, por todo o país as áreas mais problemáticas eclodiram em violência uma a uma, à medida que um subúrbio ia copiando o que havia acontecido em outra área vizinha.
E, tanto naquela época como agora, os alvos principais (além dos carros estacionados) eram prefeituras, delegacias de polícia e escolas — qualquer edifício que ostentasse uma bandeira francesa.
A prefeitura de Gonesse, perto de Paris, foi um dos alvos dos manifestantes na noite de quarta-feira — Foto: STEFANO RELLANDINI/AFP
Os gritos de guerra dos manifestantes eram sobre negligência social, discriminação racial e brutalidade policial. Slogans que pouco mudaram até hoje.
No entanto, em muitos aspectos, houve mudança.
Por exemplo, bilhões de euros foram gastos no projeto Grand Paris Express, que vem inaugurando novas conexões de metrô e bonde nos subúrbios e combatendo o isolamento social que foi considerado uma das principais queixas das periferias.
Se olharmos também para os novos edifícios públicos que vem sendo construídos nos subúrbios de Paris, como Nanterre ou Massy, negligência não é uma palavra que vem à mente.
Veja o número crescente de novos policiais de origem africana ou magrebina — muito mais do que se via em 2005. Ou os esforços para garantir maior acesso de estudantes das comunidades pobres a escolas e universidades de elite.
Outro sinal evidente de mudança pode ser percebido na linguagem pública. Manifestações preconceituosas em referência às minorias eram comuns, e de certa forma aceitáveis, no passado, mas atualmente são condenadas e podem inclusive levar à prisão.
A questão é que a França está mudando, como estão mudando vários outros países.
Mas, apesar disso, todos na França também sabem que ainda continua presente — negligenciada porém apodrecendo — essa cicatriz antiga que é o problema da população periférica.
A segurança nos subúrbios da França foi reforçada enquanto o governo francês tenta acalmar a fúria dos manifestantes — Foto: Reuters
É uma cicatriz nascida do colonialismo, da arrogância, de guerras antigas e ódios alimentados — aos quais se podem acrescentar drogas, crime e religião. E que não está prestes a desaparecer.
O presidente Emmanuel Macron rezava fervorosamente para que o fenômeno das periferias não fosse adicionado à sua lista de fardos, mas seu desejo não foi atendido.
Esta noite, os subúrbios serão inundados por policiais, na esperança de que a mobilização em massa provoque o choque que pode pôr um fim aos tumultos.
Mas o presidente Macron bem conhece a história recente.
Ele sabe que os motins de 2005 duraram três semanas e só terminaram após a declaração de um estado de emergência, que impôs toque de recolher e prisão domiciliar.
Ainda não chegamos lá, mas é possível que volte a ocorrer.
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