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“Visitei favelas e fui voluntário em um orfanato. Viajei por parte da América do Sul com uma mochila nas costas e muitas vezes dormi nas casas de famílias locais”, diz ele em entrevista à BBC News Mundo, serviço em espanhol da BBC.
Este espanhol de 42 anos nunca imaginou que sua mais recente aventura se tornaria o seu pior pesadelo.
Em janeiro de 2022, ele decidiu caminhar de Madri ao Catar para assistir à Copa do Mundo.
Mas os seus planos foram interrompidos quando ele foi detido no Irã, acusado de espionagem.
Ele passou 14 meses em uma temida prisão de segurança máxima conhecida como Evin, que tem sido alvo de múltiplas queixas de graves violações dos direitos humanos.
“Eu passei por coisas que não desejaria ao meu pior inimigo”, diz ele.
Sánchez já tinha visitado o Irã em 2020 e por isso não teve receios de voltar ao país.
“Fui de bicicleta de Madri à Arábia Saudita para ver a Supercopa da Espanha, que foi realizada naquele país, e para ver meu time de futebol, o Real Madrid”, conta.
Ele atravessou 15 países em quatro meses. Depois de chegar ao seu destino final, decidiu visitar outras nações do Oriente Médio, incluindo Kuwait, Catar e Irã.
“Fiquei fascinado pela hospitalidade dos iranianos e conheci muitas pessoas lá”, lembra ele.
Santiago Sánchez em um centro para menores com autismo na Turquia — Foto: SANTIAGO SÁNCHEZ via BBC
Ao deixar Madri em sua nova aventura, Santiago estimou que levaria um ano para chegar ao Catar.
“Eu tinha proposto uma jornada espiritual, solidária comigo mesmo e com o mundo. Eu estava coletando lixo, plantando árvores e me fantasiando de palhaço em hospitais para crianças com câncer e outras doenças”, conta.
Ao passar pelo Iraque, ele ouviu dizer que a situação no Irã estava tensa, mas “não fazia ideia de que havia violência”.
Sánchez alega que, por já ter visitado o país antes, “nem nos meus piores sonhos imaginei que o que me aconteceu pudesse acontecer comigo”.
A polícia supostamente havia prendido a jovem por não cumprir regras rígidas sobre o uso do lenço na cabeça.
Testemunhas afirmam que a jovem foi espancada enquanto estava dentro de uma viatura quando foi detida em Teerã.
Santiago diz que não sabia muito sobre o caso de Mahsa Amini.
E afirma que foi vítima de uma armação no Irã.
Multidão marcha em direção a cemitério onde foi enterrada Mahsa Amini, no Irã
Uma imagem obtida da agência de notícias iraniana Mizan em 16 de outubro de 2022 mostra o interior de uma cela na famosa prisão iraniana — Foto: GETTY IMAGES via BBC
Santiago relata que durante a sua primeira visita ao Irã em 2020 conheceu um homem na cidade de Bandar Abbas, no sul, que o acolheu.
Quando o iraniano soube que o turista espanhol regressaria ao seu país, ofereceu-lhe novamente alojamento e insistiu em buscá-lo na fronteira com o Iraque.
“Fiquei desconfiado quando ele disse isso, porque ele mora a cerca de 1,7 mil quilômetros da fronteira, onde eu estava”, diz Santiago.
“Eu falei para ele: ‘Ei, amigo, por que você tem tanto interesse em vir me buscar? Estou muito longe, né?'”, lembra.
“Agora, pensando bem, entendo o motivo. Após a prisão de Mahsa Amini, ele me incentivou a postar algo no Instagram com a hashtag #MahsaAmini e eu sempre ignorei suas sugestões porque não estava interessado.”
Santiago explica que o iraniano o recolheu perto de Marivan, no oeste do Irã, e o levou para Saqqez, cidade onde a jovem tinha sido enterrada.
“Através de um tradutor no meu telefone, perguntei a ele: ‘Para onde vamos? Pensei que íamos para Teerã'”, lembra Sanchez.
“Ele me enganou e me levou até o túmulo de Mahsa Amini. Hoje eu sei que tudo o que ele queria era que eu tirasse uma foto e postasse no Instagram.”
Santiago diz que independentemente do que aconteceu em Saqqez, ele só tinha a foto de um túmulo, por isso não entende por que as autoridades iranianas o acusaram de espionagem.
“Não faz sentido”, diz ele. “Você deveria perguntar a eles (autoridades iranianas) o que os fez pensar que eu era um espião.”
Entrada da prisão de Evin em Teerã — Foto: REUTERS via BBC
A presença de Santiago atraiu a atenção de um grupo de agentes dos serviços de inteligência iranianos, que o abordaram, levaram-no para um carro, tomaram seus pertences, vendaram seus olhos e levaram-no a uma delegacia.
“Quando me pararam pensei que fosse uma piada.”
Ele passou 42 dias isolado em uma pequena cela sob “muita pressão” devido aos interrogatórios da polícia.
“Acho que eles sabiam que eu não era um espião, mas continuaram me interrogando.”
Em seguida, ele foi transferido para outra prisão em Saqqez, onde se encontrou com o embaixador espanhol no Irã, Ángel Losada, que fez lobby para que Santiago fosse transferido para a capital iraniana.
As autoridades iranianas decidiram então enviá-lo para a prisão de Evin.
Ele só teve permissão para fazer um telefonema para sua família três meses após sua prisão.
“É mentira que me deixaram entrar em contato com minha família pelo Skype. Não sei de onde veio essa história.”
A prisão foi inaugurada em 1971 e hoje é um símbolo do autoritarismo do governo de Ali Khamenei, líder supremo da República Islâmica.
Localizada no bairro de Evin, em Teerã, é constantemente criticada por grupos de direitos humanos.
De acordo com a entidade Human Rights Watch, os agentes prisionais recorrem a ameaças de tortura e de prisão por tempo indeterminado. A entidade afirma que os prisioneiros não têm acesso a cuidados médicos e são submetidos a longos interrogatórios.
Um grupo de hackers que se autodenomina Edalat-e Ali publicou em agosto de 2021 vídeos com imagens de vigilância vazadas da prisão de Evin que mostravam guardas espancando ou maltratando presos.
A prisão abriga um grande número de presos políticos, jornalistas e muitos cidadãos estrangeiros ou com dupla nacionalidade.
“Desde que fui tirado da prisão de Evin, não consigo dormir sem ajuda de remédios. É horrível. A solidão nunca te abandona, nem mesmo depois de ser libertado”, descreveu um ex-detento, que estava em confinamento solitário, à organização Human Rights Watch.
Em Evin, Santiago esteve em confinamento solitário por “41 ou 42 dias”.
“Foi muito difícil. É algo que não desejo ao meu pior inimigo”, diz antes de acrescentar que pretende usar a “dor e o sofrimento” que essas memórias lhe causaram para ajudar outras pessoas.
“Não tenho qualquer ressentimento”, diz.
“O Irã tirou a minha liberdade, mas me deu tempo para fazer uma viagem dentro de mim mesmo, na qual visitei lugares sombrios e tentei crescer como ser humano.”
Ele afirma que quase sempre o trataram “bem”.
Em Evin, Santiago usou seu tempo para contribuir com a comunidade carcerária.
“Dei aulas de espanhol, aulas de boxe, organizei torneios de futebol, montei uma rede de vôlei e chamei todos os presos para praticar esportes”, conta.
“Os prisioneiros de Evin tornaram-se minha família. Eles me tratavam como um convidado. Eles tinham muito sofrimento e dor, mas também muita hospitalidade.”
Ele também recorda as condições “desumanas” em partes da prisão.
“O setor 209 em Evin é um dos lugares mais horríveis que já vi. Deveria ser proibido manter um humano em uma cela sem banheiro, de onde te tiram uma vez por semana com os olhos vendados para ir a um pátio por dez minutos.”
“Quero perguntar ao Irã: por que me causaram esse mal se eu era apenas um turista com boas lembranças daquele país?”
Santiago suspeita que o setor 209 seja usado para pressionar os presos e fazê-los confessar “caso tenham algo a dizer”.
“Aquela parte de Evin gera um sofrimento que é de outro planeta. Eu até conversei com as formigas de lá, mas esse sofrimento é meu.”
“Só sei que sou inocente e passei 15 meses trancado numa prisão onde não existem direitos humanos.”
“Foram 15 meses de pressão sob (a ameaça de) uma possível pena de prisão perpétua ou de morte, porque espiões poderiam ser enforcados no Irã.”
Santiago diz que agora só quer manter memórias boas e esquecer o que aconteceu de ruim. Seu objetivo é superar o passado para continuar com sua vida.
“Minha mãe leu um artigo que dizia que eu queria voltar ao Irã, o que é mentira, e ela quase desmaiou.”
Santiago Sánchez no dia da sua chegada à Espanha — Foto: REUTERS via BBC
Questionado sobre os iranianos que foram presos por participarem nos protestos pela morte de Mahsa Amini, alguns dos quais conheceu em Evin, ele diz que “todos lutam pelo que têm de lutar”.
“O iraniano lutará pela liberdade do seu país e nós, espanhóis, lutaremos por tudo o que tivermos que lutar […]. Não estou dizendo que seja bom ou ruim.”
Ao chegar ao aeroporto de Madri, no dia 2 de janeiro, Santiago Sánchez foi recebido pela sua família e amigos com aplausos, sorrisos e algumas lágrimas.
“Não sabemos a sorte que temos por ter nascido na Espanha”, diz.
“O simples fato de acordar e poder andar livremente… Não vou falar mais. Ao bom entendedor, poucas palavras bastam.”
Ele não sabe o motivo da sua libertação e acredita que, apesar de inocente, poderia ter ficado detido no Irã por mais “dois ou cinco anos”.
O aventureiro espanhol garante que recuperou a liberdade, mas ainda não conseguiu recuperar totalmente a sua saúde mental. “O meu corpo está na Espanha, mas a minha mente ainda está no Irã”.
Ele vê a sua libertação como uma nova oportunidade na vida.
“Na vida tudo acontece por um motivo e os maiores limites estão na mente. Vou usar essa dor para melhorar.”
Por: G1
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