Mas enquanto a espera pelas acusações criminais continua, o ex-presidente traça uma estratégia para se manter em liberdade e turbinar sua tentativa histórica de voltar para a Casa Branca.
É uma tarefa árdua e, entocado em sua casa em Mar-a-Lago, Trump parece resignado a se tornar o primeiro presidente dos EUA a ser indiciado por um crime.
No entanto, também está claro que ele não irá para a prisão em silêncio. Escolhas tomadas em momentos anteriores de crise política servem como um guia para o que pode acontecer a seguir.
Quando encurralado por adversários políticos, Trump revida.
Ao longo de sua campanha presidencial de 2016, ele optou pelo conflito em momentos em que outros políticos teriam recuado.
Ao ser criticado por atacar o então senador e herói de guerra John McCain, Trump aumentou suas investidas. Acusado de assédio sexual antes de um debate com Hillary Clinton, ele organizou uma coletiva de imprensa com as mulheres que acusaram Bill Clinton dos mesmos crimes.
Durante sua Presidência, a mesma conduta foi observada durante dois processos de impeachments, uma investigação do conselho especial sobre a interferência da Rússia nas eleições e inúmeras controvérsias menores.
“Se Trump for indiciado, o manual permanece exatamente o mesmo”, diz Bryan Lanza, estrategista republicano e conselheiro de Trump. “Atacar o que é judicial como político.”
A melhor defesa, como diz o ditado do futebol americano, é um bom ataque.
Trump já está contra-atacando o promotor distrital de Manhattan, Alvin Bragg, enquadrando-o como um promotor liberal determinado a buscar retaliação política contra o ex-presidente.
Um comunicado de imprensa divulgado por sua equipe na segunda-feira (20/3) referiu-se a ele como um “ativista progressista”, um “promotor desonesto” e um “tirano desperto que politizou o sistema de justiça”.
É de se esperar que esses ataques continuem se uma acusação for anunciada e se Trump decidir se enquadrar como vítima de uma conspiração esquerdista — algo que também fez regularmente em sua carreira política.
Segundo Maggie Haberman, do correspondente do jornal The New York Times na Casa Branca, o ex-presidente está “revigorado e irritado” com sua possível prisão. Ele está focado em parecer desafiador em qualquer possível aparição pública e pronto para retratar o caso como um ataque a seus póprios apoiadores.
O ex-presidente terá pelo menos duas oportunidades privilegiadas para desemnvolver seu contra-ataque nos próximos dias. Uma deles é um comício planejado em Waco, Texas.
E se o passado serve como guia, o Trump que aparece durante comícios é o homem em sua forma mais pura, que sai roteiro e ataca, alimentando-se da energia das multidões.
A outra oportunidade para Trump, se ele for de fato indiciado, chegará no dia em que ele puder viajar para a cidade de Nova York para os registros policiais e acusação formal.
De acordo com Haberman, ele está obcecado com a chamada “caminhada do criminoso” — uma tradição de Nova York em que o acusado desfila em meio a uma multidão de repórteres a caminho do tribunal de Lower Manhattan.
Por questões de segurança, isso pode não acontecer, mas outra tradição judicial, a coletiva de imprensa na escadaria do tribunal, parece muito mais provável.
Isso daria ao ex-presidente, imerso no drama legal dos tablóides de Nova York, a oportunidade de atacar seus acusadores, retratar-se como vítima de uma elite liberal e dominar as manchetes nos Estados Unidos.
Esses temas já estão sendo usados nos esforços para arrecadação de fundos para a campanha de Trump, que atingiram um ritmo frenético desde que ele especulou que pode estar prestes a ser acusado de um crime.
“Se essa perseguição política continuar incontestada, um dia não será a mim que eles estarão mirando, será você”, dizia um e-mail distribuído pela campanha. De acordo com um assessor de Trump ouvido pelo jornal The Washington Post, a campanha arrecadou mais de US$ 1,5 milhão (R$ 7,8 milhões) desde sábado.
No momento, a resposta padrão dada pelos republicanos — incluindo o presidente da Câmara, Kevin McCarthy, e outras autoridades eleitas proeminentes — combina com o jogo de Trump. Eles ecoam a retórica do ex-presidente ao condenar a investigação de Nova York como um ataque político ilegítimo.
“Vários repórteres me perguntaram se uma acusação me levaria a rescindir meu endosso a Donald Trump”, disse o senador de Ohio, JD Vance. “A resposta é: que saco, não. Uma acusação politicamente motivada torna o argumento a favor de Trump mais forte. Simplesmente não temos um país real se a Justiça depende da política.”
Essa estratégia é menos sustentável para os rivais políticos republicanos de Trump, no entanto, que podem ter que intensificar seus esforços para arrancar os holofotes do ex-presidente.
Não é coincidência que o governador da Flórida, Ron DeSantis, potencialmente seu mais formidável oponente à indicação para 2024, tenha criticado diretamente Trump pela primeira vez esta semana.
No passado, um ataque frontal a Trump era considerado uma atitude tola para seus adversários republicanos – um movimento de desespero que apenas solidifica a posição de Trump com sua base. Novos ataques, com uma luta metafórica na lama, podem apenas fortalecer sua posição.
“Se ele for indiciado, ele se torna à prova de balas”, diz Lanza.
A longo prazo, porém, a situação de Trump não é isenta de riscos.
Deixando de lado a possibilidade de condenação e prisão, seus problemas legais – que vão além das acusações em Nova York e incluem investigações de autoridades da Geórgia e um procurador especial federal – destacam os traços de caráter que muitos eleitores republicanos disseram que menos gostam nele.
Há uma razão porque sua personalidade online combativa e sua falta de disciplina pessoal foram alvos de DeSantis em seus ataques recentes por um motivo.
Também pode ser uma distração significativa para o presidente e sua equipe de campanha, que terão de se ocupar com eventos em Nova York que estão totalmente fora de seu controle, onde as aparições no Tribunal competem com debates republicanos e disputas primárias no calendário de Trump.
E se Trump superar os obstáculos e ganhar a indicação republicana, é muito mais provável que suas dificuldades legais sejam um componente negativo contra o candidato democrata.
“No final das contas, ser indiciado nunca ajuda ninguém”, disse o ex-governador de Nova Jersey, Chris Christie, durante entrevista à ABC News. “Donald Trump não é alguém que poderia ser um candidato vencedor nas eleições gerais do Partido Republicano.”
Embora Trump tenha sobrevivido nos últimos oito anos ao tipo de escândalos e investigações que aniquilariam outros candidatos, a sorte pode acabar e até mesmo o melhor dos instintos políticos pode falhar quando as circunstâncias mudam.
Mesmo o mais robusto dos navios pode naufragar em águas desconhecidas.
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