O pregador, acusado de abusos e tortura generalizados ao longo de quase 20 anos, fundou a sua Igreja Sinagoga de Todas as Nações (Scoan, na sigla em inglês) em Lagos, Nigéria, há mais de três décadas.
Sua ascensão meteórica à fama esteve intimamente ligada aos seus autoproclamados poderes divinos e à sua suposta capacidade de curar os enfermos.
As curas teatrais — que envolveram pessoas com deficiência que voltavam a andar e até a ressuscitação de uma pessoa morta — eram sempre filmadas.
Junto com os testemunhos daqueles que ele afirmou ter curado, esses vídeos eram enviados em fitas VHS para igrejas em todo o mundo.
Em 2004, o órgão regulador da mídia da Nigéria proibiu as emissoras de transmitirem supostos milagres de pastores na TV aberta, o que levou Joshua a lançar seu próprio canal, a Emmanuel TV, por satélite e depois online.
Seu império global de televisão e redes sociais se tornou uma das redes cristãs de maior sucesso no mundo.
Os seus supostos milagres foram transmitidos a milhões de pessoas em toda a Europa, nas Américas, no Sudeste Asiático e na África. Seu canal no YouTube teve centenas de milhares de visualizações.
Mas Joshua, que morreu em 2021 aos 57 anos, era uma fraude.
A investigação da BBC, que envolveu mais de 25 membros da igreja do Reino Unido, Nigéria, Gana, EUA, África do Sul e Alemanha, revelou seis maneiras pelas quais TB Joshua enganou seus fiéis.
1) O ‘departamento de emergência’
Um departamento exclusivo da igreja, chamada de “departamento de emergência”, era o responsável por fazer com que os ditos milagres parecessem reais.
Era lá que os enfermos, que procuravam o pastor para serem curados, eram examinados. A equipe também decidia quem seria filmado e por quem Joshua oraria.
Milhares de pessoas faziam fila para serem recebidas por TB Joshua em busca de uma cura — Foto: Reprodução/BBC
Agomoh Paul, que supervisionou o departamento durante 10 anos, disse à BBC que a equipe era “treinada por médicos”.
Paul é um ex-discípulo, membro de um grupo de seguidores dedicados que viviam com o pastor na sede principal da Scoan em Lagos.
“Qualquer caso de câncer, eles mandavam embora. Aí as pessoas que tinham feridas abertas normais que poderiam cicatrizar, eles levavam para dentro, para serem apresentadas como pacientes com câncer”, disse ele.
Apenas um seleto grupo de discípulos de confiança era autorizado a trabalhar no departamento de emergência. Eles escreveriam cartazes, detalhando as enfermidades inventadas ou exageradas, que cada fiel deveria segurar no momento de oração.
Quando chegava a hora de conhecer TB Joshua, eles faziam fila na frente das câmeras para serem “curados”.
“Era um sistema complicado. Nem todos os discípulos sabiam o que estava acontecendo. Era um segredo”, contou Paul.
Cada visitante estrangeiro que procurava a igreja para ser curado tinha que preencher um relatório médico, detalhando sua doença e os medicamentos que estavam sendo prescritos.
Eles eram instruídos a parar de tomar os remédios, mas Joshua exigia que seus farmacêuticos adquirissem o mesmo medicamento e continuava administrando a droga sem o seu conhecimento.
Os membros da igreja “colocavam essas drogas em bebidas de fruta”, que eram oferecidas aos fiéis depois de serem abençoadas por Joshua.
Dessa forma, os visitantes não ficavam doentes e acreditavam nos poderes divinos de cura do pastor.
Na década de 1990, quando o HIV/Aids atingiu níveis de epidemia em diferentes partes da África Subsariana, Joshua instruiu os fiéis que parassem de tomar os medicamentos antirretrovirais quando voltassem para suas casas.
“Sei que pessoas morreram porque não tomaram os remédios e é difícil viver com isso”, admitiu um ex-discípulo, que pediu para não ser identificado.
A sul-africana Tash Ford, agora com 49 anos, foi para Lagos em 2001 na esperança de curar a sua insuficiência renal, mas foi orientada a parar de tomar seus medicamentos.
“Era a promessa de que você poderia receber um novo rim de forma sobrenatural”, disse ela à BBC.
Na época ela já havia feito dois transplantes de rim. Ford diz que os discípulos disseram: “Pare de tomar sua medicação e apenas acredite”.
Ela acreditava que havia sido curada. Mas quando chegou em casa, depois de quatro semanas sem tomar os remédios, ela teve que ser internada.
Os médicos inicialmente conseguiram salvar seu rim, mas depois ele parou de funcionar e ela teve que fazer diálise renal por mais de 6 anos antes de fazer um terceiro transplante em 2011.
Ford diz que nunca duvidou do poder de cura de TB Joshua durante o período em que viveu na Scoan. “Sinceramente, pensei que estávamos vendo milagres. Eu literalmente não conseguia acreditar no que estava vendo. Vi alguém sair de uma cadeira de rodas.”
A teatralidade parecia atrair a todos.
Um ex-discípulo disse à BBC que depois de serem exibidos ao público, os seguidores escolhidos eram orientados a “exagerar os seus problemas para que Deus pudesse curá-los e exagerar na cura”.
“As próprias pessoas estavam claramente sendo manipuladas”, disse ela.
A igreja tinha um estoque pronto de cadeiras de rodas que os seguidores eram persuadidos a usar. Eles eram avisados de que não seriam curados a menos que se sentassem em uma delas quando conhecessem Joshua.
“Dizíamos a eles: ‘Se você for lá e andar com suas próprias pernas, ‘papai’ não vai orar por você. Você precisa gritar: ‘Homem de Deus, me ajude, não consigo andar'”, contou Agomoh Paul.
Em vez de chamá-lo pelo nome, todas eram incentivadas a se referir a Joshua como “papai”.
Outra ex-discípula, Bisola, que passou 14 anos morando na Scoan, acompanhou Joshua em sua Campanha Nacional de Cura na Igreja de Nosso Salvador em Singapura em 2006.
Ela diz que viu pessoas em cadeiras de rodas tentando se levantar depois que o pastor disse à congregação que “ele havia liberado a fé no estádio”.
No entanto, essas pessoas não foram examinadas e elas caíram. “Eu estava chorando. Eu estava chorando por eles”, disse ela.
Os próprios funcionários do departamento de emergência também estavam sendo manipulados. Eles foram submetidos a provações horríveis, incluindo estupro, violência física e tortura, e viviam de acordo com um conjunto rígido de regras – não podiam dormir mais do que algumas horas seguidas, por exemplo.
Agora lutam para compreender como e porquê continuaram a seguir as ordens do pastor.
“TB Joshua me disse: ‘Não se preocupe, usamos isso para edificar a fé das pessoas em Cristo.’ Eu não estava pensando que estava realmente fazendo algo errado. Pensei que estava fazendo algo que ajudaria a edificar a fé das pessoas na igreja”, disse Paul.
“Gostaria que soubéssemos que tudo era uma farsa, que não era verdade. Fui manipulada para acreditar que o que o profeta estava fazendo era sobrenatural, milagres, maravilhas, sinais”, diz Ford.
Alguns discípulos alegam que foram encarregados de encontrar pessoas que precisavam de dinheiro para fingir que estavam doentes.
Quando TB Joshua viajava para outros países em suas “turnês de cura”, seus discípulos iam às áreas mais pobres das cidades em busca de pessoas que viviam na miséria.
Os discípulos do pastor escreviam cartazes, detalhando as enfermidades inventadas ou exageradas, que cada fiel deveria segurar no momento de oração — Foto: Reprodução/Via BBC
“Dizíamos: ‘Precisamos que você represente esta cena e nós lhe pagaremos'”, disse outra ex-discípula à BBC.
“Nós os colocávamos em hotéis e os limpávamos. Eles vinham, faziam o que deviam fazer e nós dávamos dinheiro”, contou.
Antes do culto, eles informavam a Joshua em quais fileiras as pessoas pagas estavam sentadas e que roupas estavam usando, para que ele soubesse em quem deveria realizar seus supostos milagres.
“As pessoas eram levadas apenas para fingir que foram curadas”, disse ela.
5) Atestados médicos falsos
Os “milagres de cura” transmitidos regularmente a milhões de pessoas incluíam relatórios médicos afirmando que as pessoas tinham sido curadas do HIV/Aids e de doenças como o câncer.
Médicos eram entrevistados diante das câmeras confirmando as curas.
Em 2000, o jornalista nigeriano Adejuwon Soyinka revelou em uma investigação que os atestados médicos eram falsos, mas Joshua negou as acusações e o caso foi abafado.
Até hoje algumas pessoas acreditam que foram curadas, mas fontes internas dizem que tudo não passou de uma atuação. “A coisa toda era encenada e falsa. Era falsa”, disse Paul, que classificou Joshua como um “gênio do mal”.
Nada acontecia na igreja sem que Joshua soubesse, explicou ele. “TB Joshua era quem planejava toda a manipulação”, disse.
6) Manipulação dos vídeos
Os “milagres” eram filmados e depois editados para fazer parecer que as supostas curas aconteciam instantaneamente.
Os vídeos de “antes e depois” eram muitas vezes gravados com meses ou até anos de difierença, mas eram editados para mostrar os supostos poderes milagrosos do pastor.
“Tudo o que se via na TV era o antes e o depois, mas não se conhecia o espaço de tempo”, contou Bisola, que foi editor-chefe de vídeo da Scoan por cinco anos e trabalhou na Emmanuel TV. Como outras fontes entrevistadas pela BBC, ela optou por usar apenas o primeiro nome.
“O que as pessoas veem não é real. É fraude”, disse ela sobre os clipes e as transmissões que supervisionou.
“Estou falando agora como alguém que estava por dentro”, disse ela.
Qualquer coisa que eles não queriam que os espectadores vissem era “cortada”. Tudo era “organizado”, disse ela.
A BBC entrou em contato com a Scoan e apresentou as alegações presentes nesta investigação. A igreja não respondeu, mas negou denúncias anteriores contra Joshua.
“Acusações infundadas contra o Profeta TB Joshua não são novidade. Nenhuma das acusações foi fundamentada”, disse a igreja por meio de um comunicado.
Esta investigação da BBC Africa Eye foi conduzida por Charlie Northcott, Helen Spooner, Maggie Andresen, Yemisi Adegoke e Ines Ward.
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